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terça-feira, 5 de outubro de 2010

A Riqueza Espiritual do Islamismo Estotérico



Texto de SERGE HUTIN, FRC*

O primeiro volume intitulado ''Desde os Primórdio até a Morte dos Averroes'' (1198), da importante publicação em três volumes da ''História da Filosofia Islâmica'', surgiu em 1964. Foi publicado em inglês em 1993 como a '' History of Islamic Philosophy''. A trilogia foi escrita pelo Professor Henry Corbin, que era diretor dos estudos islâmicos da Universidade de Sorbonne em Psaris, e que também lecionava todos os anos na Universidade de Teerã. Este livro é um testemunho vivo de alguém que compreendeu plenamente o significado mais elevado das correntes iniciáticas, teosóficas e místicas do Islamismo.
Meu objetivo não é tentar apresentar um resumo adequado, mas brando do magnífico panorama espiritual que Corbin nos oferece, mas extrair dele alguns elementos que podem nos tornar plenamente conscientes da imensa riqueza espiritual , ainda tão displicentemente islâmico em suas formas tradicionais.



O SIGNIFICADO SECRETO DO CORÃO

O Islamismo é uma religião que depende de um livro inspirado, o Corão. A religião Muçulmana de fato forma o terceiro - e último revelado - ramo do que pode ser chamada de tradição Abraâmica: Judaísmo, Cristandade e Islamismo são todas ''religiões do bloco'' da mesma revelação monoteísta.
Como a Bíblia, o Corão está sujeito a dois tipos de investigações, ambos totalmente genuínos. Podemos ver nele ''as regras de viver neste mundo e o guia para além deste mundo''. Por um lado, existem as interpretações literais e, por outro, a exeguese esotérica. O problema do ''verdadeiro significado'' do trabalho sagrado ditado ao Profeta Maomé não poderia de fato surgir para os iniciados do Islamismo que são totalmente leais às convicções espirituais e práticas religiosas, enquanto, ao mesmo tempo, reconhecem a existência real de homens inspirados fora de seu caminho tradicional. Por outro lado, esta tolerância ativa e manifestada, por um lado, no reconhecimento significativo do fato de que o conhecimento mais elevado de pensadores da antiga Grécia também veio do ''nicho das luzes da profecia'' e, por outro, na ausência entre os iniciados Muçulmanos de qualquer desconfiança com relação aos sinceros representantes da árvore Abraâmica assim como de outros caminhos. Esta forma extrema de tolerância resulta até na admissão de Cristãos e Hindus entre seus estudantes por parte de alguns Mestres Sufis no Irã e no Paquistão.
Mas, para chegar ao exato problema das exegueses esotéricas do Corão, Corbin declara o princípio bem claramente: ''Indicar como meta a obtenção do significado espiritual implica que existe um significado que não é o significado espiritual, e que entre este e aquele que não existe, existe talvez uma graduação, levando à pluralidade de significados espirituais''.
E ele cita - muitas páginas adiante - uma declaração notável do 6° Imam (Guia) dos Xiitas, Jafar as-Sadiq (720 - 765 d.C.): ''O Livro de Deus se constitui de quatro coisas. Existe o mundo revelado; existe a compreensão alegórica; existem os significados encobertos relacionados ao mundo oculto; existem as doutrinas espirituais mais elevadas. A palavra literal é para os mortais comuns. A compreensão alegórica pertence aos Amigos de Deus. As doutrinas espirituais mais elevadas pertencem aos profetas''.
Esta passagem pode ser interpretada da seguinte forma: '' A palavra literal é para ser ouvida, a alegoria é para a compreensão espiritual; os significados ocultos são para a visão contemplativa; as doutrinas mais elevadas dizem respeito à realização do todo do Islamismo espiritual''.
Por que o esoterismo é necessário? A razão é óbvia. O grande místíco sufi persa Al Hallaj (858-922 d.C.) não se preocupava com relação a revelar sua grande iluminação publicamente para o profano nas ruas de Bagdá. Muitos mestres sufis consideravam que não era apropriado partilhar o misticismo com as massas e isso resultou na execução dele onze anos depois. Não apenas os crentes profanos e comuns entre eles, mas até mesmo os mais devotados não conseguem compreender as verdades secretas, mas eles se arriscam a fazer com que os iniciados pareçam ímpios e sacrilégios que desprezam as crenças e práticas da religião exotérica; que foi o que aconteceu com o Al-Hallaj.
A citação anterior nos permite compreender a existência não apenas de um significado esotérico do Corão, mas de vários significados hierárquicos, correspondendo aos estágios progressivos do iniciado na direção da iluminação surepma. A diferenciação dos significados no Corão é parte integrante na hierarquia espiritual necessária dentro da humanidade. Existem três categorias:

1 - O profano comum;
2 - Aqueles que têm o potencial de se tornar possíveis iniciados ( daí a necessidade de os iniciados entrarem em contato com eles);
3 - Os iniciados que estão em si divididos em vários graus de acordo com seu grau de avanço pessoal no caminho.

A HIERARQUIA INICIÁTICA

As iniciações tradicionais muçulmanas são geralmente desconhecidas quando não distorcidas de uma forma grotesca, como demonstrado em relatos suspeitos que ainda circulam sobre o assunto. Na Europa, ouvimos histórias confusas sobre os dervixes, os Ismailis ( pelo dato da Aga Khan, que é mais ou menos como se fosse seu ''papa'', ser uma das personalidades de que a mídia mundial fala de bom grado) e os ''Assassinos'', os seguidores de Hassan - e Sabbah, o ''Velho da Montanha'' e amigo do cientista e poeta Omar Khayyam, que acabaram sendo desruídos pelos Mongóis quando arrasaram a impressionante Fortaleza de Alamut.
Corbin corrige todas as idéias claramente simplistas sobre esse assunto. Particularmente, faz justiça  a todas as histórias negras (como um romance gótico) divulgadas sobre os ''Assassinos'' por seus inimigos em primeiro lugar, e depois por gerações de autonomeados ''historiadores'' ocidentais especializados em sociedades secretas. Sobre o Sufismo, os livros de Corbin levantam essa questão bem claramente. O que são os Sufis? Trata-se de muçulmanos místicos que se reúnem em comunidades iniciáticas, muitas vezes de uma forma mais ou menos monástica, e que se agrupam em várias Ordens Dervis.


A característica do Sufismo tradicional é sempre se desenvolver em uma hierarquia iniciática. Para nos restringirmos ao passado, vamos tomar como exemplo a sociedade secreta dos Ikhwan as-Saafa ou ''Irmãos da Pureza'', que tinham seu centro em Basra, no Iraque, durante a ascenção do Califado de Abbasid. Eles escreveram 52 tratados sobre matemática, ciências naturais, psícologia e teologia. Seus iniciados de dividiam em quatros graus, que correspondiam com a idade, com iniciação possível após os 40 anos. Aos 40 anos de idade, os membros começavam sua progressão para a iluminação. Aos 50 anos, eles poderiam mesmo estar prontos para perceber diretamente a luz espiritual na totalidade das coisas, no coração microcósmico da humanidade como no Grande Livro da Natureza. Evidentemente as idades de 40 e 50 anos pretendem caracterizar a maturidade iniciática e não devem ser confundidas com o tempo temporal da sociedade civil.  A idade de 40 ou 50 anos (33 é também frequentemente citado na tradição Cristã) é a idade em que os iniciados estão finalmente prontos, como Dante, para receber a grande iluminação, que poderia, de acordo com o real avanço do peregrino no caminho, se manifestar antes ou depois da maturidade física.
No trabalho de Corbin, encontramos capítulos detalhados sobre uma área até menos conhecida pelos europeus do que o Sufismo, a do Xiismo, de que os Ismailis são um dos dois grandes ramos históricos. O fenômeno Xiita coloca-se totalmente dentro das perspectivas de uma busca perseverante e ardente, no verdadeiro sentido esotérico, do caminho realmente espiritual do todo da Revelação Islâmica e, consequentemente, da História  Islâmica. Mas esse esoterismo que se desenvolveu depois do Profeta é mais especialmente baseado no problema da autoridade suprema tanto temporal quanto espiritual do Islã. Portanto , o Xiismo se baseia na crença no Imamato, isto é, em indivíduos considerados como ''Guias'' (Imam significa ''guia'') para toda a extensão da história desde a morte de Maomé (considerado como sendo o ''Selo dos Profetas'', terminando o período dos profetas) até o fim do ciclo terreno de manifestação.
A concepção histórica do Xiismo, portanto, remota à época do próprio Maomé. Os Xiitas foram, desde o ínicio, aqueles que, ao contrário dos Sunitas (Muçulmanos que queriam manter a rigorosa observância do que é chamado de Código Sunnan das tradições orais que complementam o Corão), queriam colocar o Islã sob a governância suprema de um Imam manifestado na pessoa santa de Ali, primo e genro do Profeta.
Enquanto os ''Dozeiros'' Xiitas reconhecem - como indicam seus nomes - doze imans sucessivos começando por Ali, os Ismailis reconhecem apenas sete. O contraste verdadeiro é de fato apenas aparente, pois as implicações esotéricas correspondem e aparecem como complementares. Corbin nos leva à seguinte observação: '' Enquanto a imamologia  dos Dozeiros simbolicamente corresponde às doze constelações do Zodíaco (como as doze fontes que jorram da rocha atingida pelo cajado de Moisés), a imamologia dos ''setenários'' do Ismailianismo simboliza os Sete Céus Planetários e suas estrelas móveis''.
Até mesmo a idéia de governo iniciático secreto por debaixo dos panos da história visível é totalmente tradicional em muitas formas de esoterismo. No Sufismo Suni encontramos, sob uma forma diferente daquela dos Xiitas, a idéia de uma hierarquia esotérica na qual o Qutb ( o pólo ou eixo místico) é o ápice. Neste caso, deveríamos lembrar que tradições desse tipo atuam em vários níveis no dominio histórico assim como na iniciação pessoal. Também não se deve esquecer que os iniciadores humanos ainda têm como missão e papel permitir que o iniciado entre gradativamente em contato com ''a entidade espiritual'', como o ''Anjo da Filosofia'' (um termo amplamente usado no esoterismo xiita), e com seu guia pessoal, o ''Mestre Interno'' que aparece apenas quando o estudante está pronto. Isto então explica a maneira pela qual os documentos esotéricos são simultaneamente colocados sob um ponto de vista que Corbin chama de ''meta-história'' e no nível do mundo visível  neste plano. isto fica óbvio no problema central da sucessão dos Grandes emissários no plano terreno.
Com relação a isso, Corbin cita um texto maravilhoso do poeta e filósofo Ismailiano persa Nasir-e Khusraw (1004-1088 d.C.): ''Religião positiva é o aspecto exotérico da idéia, e a idéia é o aspecto esotérico  da religião positiva. A religião positiva é o símbolo ; a idéia é o simbolizado. O exotérico está em fluxo perpétuo com os ciclos e os períodos do mundo; o esotérismo é uma energia divina que não está sujeita a tornar-se''.
No decorrer dos acontecimentos neste mundo, o determinismo invisível sempre aparece através de uma forma visível. Isso é essencial na verdadeira compreensão da idéia tradicional dos ciclos da história. Acontecimentos terrenos só podem ser explicados em relação à ''um drama no Céu''; na verdade, eles preparam o fim. No esoterismo islâmico, assim como nas perspectivas mais bem conhecidas na Europa do Apocalipse Cristão, o problema dos ''últimos dias'' desempenha um papel determinante.
No Xiismo, eles falam sobre o 12° ou último Imam, o ''Imam do Tempo'', o Imam ''oculto dos sentidos, mas presente no coração''. Desaparecido deste plano, ''o Imam oculto'' é, no entanto, acessível aos iniciados, gradativamente se tornando seu guia invisível pessoal, seu mestre interno. Até a hora do Milênio, o ''Imam escondido'' permanece apenas visível em sonhos ou manifestações pessoais que têm uma carecteristica ''visionária''.  Mas, quando o ciclo presente chegar a um fim, o último Imam, o Mestre Interno dos Xiitas, vai se tornar manifesto no plano terreno. É ele que vai presidir a Aurora Dourada, o advento da Nova Era. No final do presente ciclo então, o Mahdi, o ''Imam oculto'' que vive escondido desde 872, vai proporcionar revelação total e realização suprema.


A ILUMINAÇÃO

As formas iniciáticas que surgiram no Islamismo pretendiam - como todos os caminhos semelhantes, baseados ou não numa religião exotérica - capacitar a luz interna a se irradiar de dentro. No Sufismo, portanto, encontramos exercícios que têm  como objetivo internalizar a revelação Islâmica.
na busca da plena iluminação, o iniciado vai reviver a experiência que teve o próprio Profeta, especialmente no tempo de seu Mi'raj - ou ascensão - uma experiência durante a qual maomé, depois de ter sido transportado em espírito a Jerusalém, se elevou pelos sete céus até o trono de Alá. Da mesma forma, os místicos Sufis tentam compreender o Corão internamente de alguma forma, tentando encontrar, através de uma pronúncia correta dos Suras Corânicos, o mistério da ''Enunciação do Livro Santo'' original.
Em última análise, a exegese do Corão vai se alicerça no paralelo entre as vicissitudes da história e as formas nas quais a alma atinge a iluminação libertadora. Por exemplo, o maravilhoso exemplo, no Sura 95 (at-Tin), da oliveira que cresce no Monte Siani é interpretado da seguinte forma por um autor Ismaili anônimo: '' Este Sura significa que o peregrino místico percebe que sua própria personalidade, da mesma forma que o fez Moisés, nada mais é do que o ''Sinai'', o santuário interno onde a Forma teofânica pode brilhar... a Luz Divina''.
Ser capaz de contemplar 'na Alma da alma'' e ser capaz de irradiar a Luz Divina dentro de nosso coração, este é o objetivo que o peregrino místico enfoca e vai alcançar quando a iluminação tiver finalmente desabrochado nele. Eis uma citação do grande Sufi Persa Abu Yazid Bastami (804-874 d.C), que desempenhou um papel importante na solidificação do conceito de amor divino no cerne do Sufismo: ''Quando finalmente eu contemplei a verdade através da verdade, eu vivi a verdade através da verdade e existi na verdade pela verdade em um presente eterno, sem fôlego, sem palavras, sem audição, sem conhecimento, até que Deus tivesse transmitido a mim um conhecimento impulsionado por Deu conhecimento, uma linguagem transmitida de Sua Graça, um olhar moldado em Sua Luz''.
Irradiar uma Luz Divina dentro de nós e nos perdemos nela, eis o que vem a ser a Grande Iluminação. Eis mais uma passagem do místico persa al-Ghazali (1058-1111 d.C) que o professor Corbin cita: ''a mariposa que se tornou amante da chama tem a luz dessa aura como alimento desde que permaneça a uma certa distância dela. É o presságio desta iluminação que amanhece que ao mesmo tempo a chama e lhe dá as boas-vindas. Mas ela precisa continuar voando até que ela a apanha. Quando a alcançou, não cabe mais a ela ir em direção à luz. A chama não é mais seu alimento, mas ela é o alimento da chama. E é ai que está o grande mistério. Num momento uma fugitiva, ela então se torna seu próprio amor, já que ela é a chama. E isso é perfeição.''
E é aqui que encontramos o objetivo de todo treinamento iniciático. Sohravardi (ou Suhrawardi, em árabe), um grande grupo filósofo persa (1155-1191 d.C), demonstra ser um autêntico iniciado quando nos conta que a alma humana deve rasgar-se para longe das trevas de seu ''exílio ocidental'', ou sejam do mundo da matéria sublunar, para avançar na ''direção do oriente'', de onde vem a Luz. Pelo simples ato de serem conscientes de si mesmo, os seres de luz vão se fazer presentes uns para os outros - e, observe bem isso - experimentando um dos privilégios do estado de Rosacruz, no exato sentido do termo.

A ALQUIMIA

Nas terras islâmicas, a alquimia prosperou. Para citar apenas um nome, o do ilustre Jabir ibn Hayyan (Geber no Ocidente), discípulo do 6° Imam Ja'far as-Sadiq, a quem se atribuiu a definição do Hermetismo como ''a ciência do equilíbrio''.
É uma questão, de fato, de se encontrar a relação que existe em cada corpo do manifestado e do oculto. Essas operações se aplicam ao material assim como ao espiritual, como Crobin nos destaca com toda propriedade: '' É a transmutação da alma voltando a si mesma que vai afetar a transmutação do corpo. A alma é exatamente o local dessa transformação''. A alquimia, com seus segredos maravilhosos de total transformação humana era, sem dúvida, conhecida por muitos iniciados muçulmanos, tanto dentro do Xiismo quanto dentro das Ordens Sufis. O hermetismo islâmico provou ser um dos ramos importantes da filiação alquímica tradicional.
Henry Corbin conseguiu mostrar claramenteem seu notável trabalho ''Corps spirituel et Terre Celeste'' (Corpo Espiritual e Terra Celestial), que é impossível compreender qualquer coisa das operações alqimicas sem vê-las como marcado os estágios de um caminho iniciático, a peregrinação espiritual na direção da redescoberta do Divino dentro de si. É apenas dessa forma que é possível compreender o sentido exato deste ensinamento do Imam Ja'far: '' A forma humana é a maior evidência pela qual Deus confirma Sua Criação. É o livro que ele escreveu com Sua própria mão. É o templo que Ele construiu através de Sua sabedoria. É a reunião de todos os universos''. 
É também bastante explicita a seguinte declaração do 6° Imam dos Xiitas: '' A luz do Imam no coração dos crentes é mais brilhante do que o Sol, que espalha sua luz''. E a regra de ouro de todo treinamento iniciático e de toda disciplina esotérica se encontra no dizer deste Ismaili: ''Aquele que conhece a si mesmo, sonhece seu Senhor''.
Com relação ao contato entre iniciados muçulmanos e cristãos, isso mereceria algumas páginas. Vamos nos contentar em lembrar os contatos , sem dúvida estabelecidos, entre os Cavaleiros Templários e os muçulmanos que formavam os assim chamados ''Assassinos''. Não só todas as tradições esotéricas se encontram no ápice, mas seus relacionamentos neste plano também são uma realidade  incontestável. 
''O sinal do amor de Deus é outorgar três atributos àquele que O ama: uma generosidade como a do Mar, uma bondade como a do Sol e uma humildade como a da Terra''.
                                                                                                            - Abu Yazid Bastami.

Precisaremos fazer um texto curto, porém importante sobre uma das ordens mais amedrontadoras do começo das cruzadas: os Assassinos.
Sim, o termo “assassinato” foi inventado por causa deles. Estamos falando da Seita dos Hashashins, ou os fumadores de Haxixe do monte Alamut (que significa “Ninho da Águia”). Guerreiros cujas habilidades foram comparadas às dos famosos ninja orientais, estes enigmáticos personagens tornaram-se um ponto de interrogação dentro das batalhas na região de Jerusalém, ora movimentando a balança na direção dos cristãos, ora pendendo para os muçulmanos.

O Sol também se Levanta
A Ordem de Assassinos foi uma seita fundada no século XI por Hassan ibn Sabbah, conhecido como o velho da montanha. Seu fundador criou a seita com o objetivo de difundir uma nova corrente do ismaelismo (uma das correntes do Esoterismo Islâmico), que ele mesmo havia criado. Sua sede era uma fortaleza situada na região de Alamut, no Irã. (o nome Alamut é bastante conhecido entre os jogadores do RPG “Vampiro, a Máscara”, pois a Ordem dos Assassinos foi usada como base para a criação do clã de vampiros “Assamitas”).
A fama do grupo se alastrou até o mundo cristão, que ficou surpreso com a fidelidade de seus membros, mais até que com sua ferocidade. No ponto alto do poderio dos Hashashins, seu líder chegou a possuir cerca de 60 mil seguidores, segundo alguns relatos da época especulavam. Para Bernard Lewis, autor de “Os Assassinos”, haveria um evidente paralelo entre essa seita e o comportamento extremista islâmico, assim como o ataque suicida como demonstração de fé.

O Velho e o Mar
Hassan bin Sabbah Homairi era filho de uma poderosa família de pescadores de Qom – centro de propagação do ismaelismo. Se intitulava a sétima encarnação do Imã Ismael. O sétimo profeta (Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé e ele… modesto o cara!).
A partir de 1079 passou a viver no Egito (mais precisamente no Cairo) onde estudou e aperfeiçoou seu conhecimento do Corão, descobriu o Antigo e o Novo Testamentos, além dos textos vedas hindus e dos papiros rosacruzes – conhecidos desde as invasões de Alexandre, o Grande. Bin Sabbah promoveu a reunião dessas religiões, misturando ainda o zoroastrismo e acrescentando, nesta síntese, um pouco de neoplatonismo.
Durante a sua permanência no Cairo, Hassan relacionou-se com Nizar, filho do califa da dinastia fatímida, al-Mustansir, até que Nizar foi sacaneado e afastado da sucessão pelo vizir al-Afdal. Provavelmente esteja aí a origem do ódio de Hassan à dinastia fatímida. Foi em torno do nome de Nizar que ele reuniu os seus primeiros seguidores – daí o nome nizaritas.
Das várias e dramáticas facções ismaelitas, as mais famosas foram a dos fatímidas do Egito, a dos ismaelitas hindus e a dos ismaelitas reformados de Alamut – chefiada por Hassan.

Por quem os sinos dobram
De acordo com sua biografia, Hassan teria tido uma visão de Zaratustra que o encaminhou para o norte, ao encontro de seus iniciadores – membros de uma seita secreta, “numa caverna de uma alta montanha”, para receber a iniciação pelo senhor da montanha. A tradução do texto encontrado na Índia, por W. Ivanov, é de “Jean Claude Frère, L’Ordre des assassins, caps. I e II, pp. 15 a 78)”. O texto revela uma mistura de elementos zoroastrianos, cristãos e islâmicos. Hassan teria, então, recebido dos iniciadores a missão de “libertar a raça ariana e fundar um novo império, tendo por base a nova religião.”

No Cairo, Hassan completou sua iniciação na famosa “Casa das Ciências” do Islamismo.
Suas andanças, após ser expulso da Pérsia pelos turcos seljúcidas (desculpem pelos nomes complicados – adeptos da ortodoxia sunita), o levaram a muitos fiéis, dispostos a obedecê-lo cegamente até mesmo com o sacrifício da própria vida: a seita dos Assassinos.
Na hierarquia da seita existiam alguns patamares: os iassek estavam no patamar mais baixo – a massa dos fiéis, responsáveis pelo sustento monetário da ordem. Depois deles, os mujib - que dependendo de sua aptidões poderiam se tornar fedayin, os guerreiros treinados que se sacrificavam. Os denominados de rafik eram treinados para comandar fortalezas e dirigir a organização. Os daï eram os missionários. Por último, no topo da pirâmide, estava o grande senhor: Hassan.
Uma das maiores lendas a respeito de Hassan é a de que ele era imortal. Na verdade, ele viveu até os 90 anos, o que era um absurdo de longevo para o século XII. Além disso, quase ninguém estava autorizado a vê-lo e ele nunca saía do Castelo de Alamut. Como os Grãos Mestres que o sucederam também adotaram o nome de “Velho da Montanha”, a história de que o líder dos assassinos era imortal correu o mundo. Em Jerusalém, seu nome era usado para assustar crianças que não queriam se comportar (tudo bem que os muçulmanos usavam a figura de Melek-Ric, ou “Rei Ricardo” em alusão ao Ricardo Coração de Leão, para assustar seus pimpolhos também… guerra é guerra, em todos os patamares!)
Ter e não Ter
Assim como em outras ordens iniciáticas do período das Cruzadas, todos os membros abriam mão de seus pertences para o grupo. O treinamento era de qualidade inferior à dos templários ou teutônicos, mas eles eram muito mais temidos do que os guerreiros cristãos. Por quê?

Porque os Hassassins não tinham medo da morte. Enquanto um cruzado ou Templário gostaria de cumprir sua missão e voltar para casa para receber os louros da vitória, dinheiro, mulheres, mansões e iates, os hassassins apenas precisavam cumprir sua missão. Eles não procuravam por oportunidades onde poderiam se safar depois, ou pela maneira mais fácil de se proteger após cumprida a missão… muitas vezes, iam disfarçados de mendigos e ficavam durante semanas ou meses infiltrados na cidade, muitas vezes conseguindo a confiança dos mercadores e religiosos do local, realizando pequenos serviços para a comunidade… até suas ordens de assassinato chegarem. Uma vez com uma missão, os hashashins estudavam o cotidiano de sua vítima, aguardavam até um momento oportuno (que sua vítima estivesse rezando ou até mesmo no banheiro) e o atacava sempre em mais de um guerreiro. Depois de cumprida a missão, eles até tentavam fugir, mas isso não era nenhuma prioridade. O importante era que a vítima estava morta. Sua arma favorita era os Sicários (lembram do Judas Iscariotis?), que às vezes eram deixados sobre o travesseiro da vítima para intimidá-la, se fosse necessário (diz a lenda que até mesmo o grande Saladino foi ameaçado desta forma).
Note que esta técnica continua em uso até os dias de hoje… dos polêmicos “homens bomba” até os pilotos do 9/11. Não importa o homem, importa a missão. A recompensa virá após a morte.
O Jardim do Édem
A história dos Assassinos se mescla às das Cruzadas, normalmente como aliado involuntário dos cristãos, pois os principais alvos dos assassinos acabavam sendo os próprios califas muçulmanos, embora hajam referências de líderes cruzados assassinados pelos mesmos métodos dos Hashashins.
Em mais de uma ocasião os Teutônicos e os Templários utilizaram-se da ajuda dos Assassinos para atacar algum califa importante ou para manter inimigos políticos controlados.
A lealdade e a crença na vida após a morte dos assassinos era tanta que certa vez, durante a visita de um aliado, querendo demonstrar a lealdade e incorruptabilidade de seus homens, Hassan pediu que um de seus homens se suicidasse como prova de lealdade, ordem que foi cumprida imediatamente na frente de todos.
Adeus às Armas
Hassan e os Grão-Mestres que governaram após o mesmo seguraram um grande poderio e influência política em toda a região, até que o líder Mongol Hulagu Khan(neto do Gengis Khan, que terá ainda um post só para ele) destruiu a base de Alamut em 1256 – Ainda assim a facção Nizarim se manteve no Irã, sobrevivendo até os dias de hoje espalhados por diversos países da Ásia, África e Oriente Médio.







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