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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um conto Grego...


Depois de visitar o Egito, no século 5 a.C., Heródoto se convenceu de que os gregos haviam adquirido suas noções e crenças divinas a partir das tradições daquele páis. Escrevendo para seus compatriotas, ele empregou nomes de deuses gregos para descrever as deidades egípcias análogas.
Além da analogia existente entre os atributos e o significado dos nomes dos deuses do Egito e da Grécia, um outro aspecto que levou o historiador a acreditar na origem egípcia da teogonia grega foram as semelhanças entre suas lendas. Uma dessas lendas, encontrada tanto entre os gregos como entre os egípcios, era a que narra a castração de um deus por outro numa disputa por supremacia. Heródoto deve ter ficado bastante intrigado, pois a história era peculiar demais para ser encarada como mera coincidência.
Por sorte, as fontes gregas das quais Heródoto provavelmente extraiu seus relatos ainda existem. São várias obras literárias, escritas e bem conhecidas muito antes dele; como a Ilíada, de Homero, as Odes, de Pindaro de Tebas, e principalmente a Teogonia (''Genealogia Divina''), de Hesíodo, um escritor nascido em Áscara, na Grécia central, e que viveu no século 8 a.C.
Sendo poeta, Hesíodo preferiu atribuir a autoria da Teogonia às  Musas, as deusas da música, da literatura e da arte, que segundo ele o incentivaram a ''celebrar em canções'' as histórias da ''reverenciada raça dos deuses, desde seu ínicio... e cantar em seguida a raça dos homens e dos gigantes, para com isso alegrar o coração de Zeus no Olimpo''. Diz Hesíodo que as Musas o procuraram num certo dia em que ele estava '' apascentando suas ovelhas'' perto da Montanha Sagrada em que elas habitavam.
Apesar dessa introdução bucólica, a história dos deuses revelada a Hesíodo pelas Musas era cheia de paixão, revolta, astúcia, mutilação e sangrentas lutas. A despeito de toda a glorificação de Zeus, não existe nos relatos nenhuma tentativa aparente de se encobrir a torrente de sanguinolenta violência que o levou à  supremacia. Hesíodo, transmitindo ''as coisas que as Musas, nove filhas de Zeus, cantaram'', escreveu:



Em verdade, no começo existia o Caos,
e em seguida veio Géia, de amplo seio.
Então surgiu Tártaro, nas profundezas da Terra,
e Eros, o mais belo entre os deuses imortais...
De Caos, saíram Érebo e a negra Nyx;
e de Nyx nasceram Éter e Hemera.

Esse primeiro grupo de deuses celestiais ficou completo quando Géia (''Terra'') casou-se com seu próprio primogênito, Urano (''Céu Estrelado''), para poder incluí-lo na Primeira Dinastia dos deuses. Logo após ter dado à luz Urano, Géia teve uma filha, a graciosa Uréia, e um outro filho, ''Ponto, a infrutífera Profundeza, com sua maré furiosa''.
A geração seguinte de deuses era constituida pelos descendentes de Géia e Urano:

Mais tarde ela deitou-se com
Urano e gerou o turbulento Oceano;
Coeus, Crius, Hiperion e Iapeto;
Téia e Réia, Têmis e Mnemosine;
E Foebe, coroada de ouro, e a bela Tétis.
Depois deles nasceu Cronos, o voluntarioso, 
o mais jovem e terrível de seus filhos.

Embora essas doze criaturas - seis homens e seis mulheres - fossem resultado de uma união entre mãe e filho, eram perfeitas, com uma aparência que fazia jus a sua origem divina. Mas, à medida que Urano ia se entregando cada vez mais a sua ânsia por sexo, seus outros descendentes, apesar de muito fortes, exibiam várias deformidades. Os primeiros monstros a nascer foram os três Ciclopes: Brontes (''O Torvejador''), Steropes (''O que Faz Raios'') e Arges (''O que Produz Irradiação''). ''Em tudo eles eram como deuses, mas possuíam um único olho no meio da testa''.
''Três outros filhos nascidos da união entre Géia e Urano eram grandes e valentes de uma forma sem precedentes: Cotos, Briareu e Giges, crianças audaciosas.'' Eram os Hecatônquiros (''Os de Cem Braços''), pois, como acrescenta Hesíodo, '' de seus ombros saíam cem braços que não deixavam ninguém se aproximar deles, e cada um possuía cinqüenta cabeças''.
Segundo conta a Teogonia, '' Cronos odiava o pai devido a sua sensualidade exacerbada, mas Urano rejubilava-se com as próprias más ações''.
''Então Géia confeccionou uma foice e explicou a seus queridos filhos o plano que elaborara'', pelo qual o ''pai pecador'' seria punido por suas ''vilanias''. Ela cortaria a genitália de Urano, pondo fim a seus excessos sexuais. ''O medo apoderou-se de todos ; somente Cronos, o voluntarioso, mostrou coragem''.
Vendo que Cronos era o único que teria a força  suficiente para levar o plano adiante, Géia entregou-lhe a foice que confeccionara a partir de sílex cinzento e escondeu o filho em seus próprios aposentos, que ficavam à margem do Mediterrâneo.

E Urano veio à noite, ansiando por amor;
deitou com Géia, esparramando-se sobre ela.
Então o filho saiu do esconderijo,
estendeu  a mão esquerda na direção do pai, enquanto
na direita segurava a comprida foice de dentes como serra.
Num movimento rápido, cortou os órgãos genitais do próprio
pai e jogou-os para trás, atirando-os no mar.

A castração de Urano não pôs fim a sua linha de descendentes. O sangue esguichava pelo ferimento e algumas gotas penetraram Géia, que concebeu e deu à luz '' as fortes Ennins'' (''Fúrias da Vingança''), ''os Gigantes de armaduras brilhantes, com longas lanças nas mãos, e as Ninfas chamadas Melíades, as protetoras das árvores''. Dos órgãos genitais decepados, que foram deixando atrás si um rastro de espuma enquanto eram levados pela correnteza, '' nasceu uma terrível e linda deusa... que homens e deuses chamada de  'Afrodite' ''.
Urano, querendo se vingar, chamou pelos deuses-monstros. Seus primeiros filhos, alegou, tinham se transformado '' numa outra linhagem'', os Titãs, que levados pela presunção tinham cometido o terrível crime. O assustado Cronos apressou-se a prender os Ciclopes e os outros gigantes mostruosos num local distante, para que nenhum deles pudesse atender ao chamado de seu pai.
Os outros deuses primordiais, além de Urano, também procriavam. Seus filhos recebiam nomes indicando seus atributos, e eles estavam longe de ser benevolentes. Depois da castração, Nyx atendeu o chamado do irmão e, para ajudá-lo na vingança, gerou as deidades do mal: ''Ela deu à luz o Destino e as cruéis Parcas... a Destruição e a Morte... a acusação e a Dolorosa Aflição... a Fome a o Sofrimento''. Nyx também trouxe ao mundo a Contenda e mais as Lutas, Batalhas, Assassinatos, Brigas, Mentiras, Disputas, Ilegalidade e Ruína. Finalmente nasceu Nêmesis (''Retribuição''). Urano teve seu chamado atendido: lutas, batalhas e guerras passaram a existir entre os deuses.
Os Titãs também traziam a esse mundo perigoso a terceira geração de deuses. temerosos da retribuição, mantinham-se muito unidos, e cinco dos irmãos casaram-se com cinco das irmãs. Desses casais divinos, o mais importante era aquele formado por Réia e Cronos, porque este, devido a sua audácia, assumira  a liderança dos Titãs. Réia deu à luz três filhas e três filhos: Héstia, Deméter e Hera; Hades, Poseidon e Zeus.
Mas, como conta a Teogonia, asism que lhe nascia  um descendente, Cronos o engolia. O motivo dessa atitude era uma profecia que vaticinava que ele seria derrotado por um de deus filhos, repetindo-se assim o que fizera com seu pai, Urano.
No entanto, o Destino não podia ser evitado. Para enganar Cronos, Réia escondeu o recém-nascido Zeus na ilha de Creta, e em lugar dele entregou ao marido ''uma pedra envolta em coqueiros''. Sem perceber o engodo, Cronos engoliu a pedra. Logo depois começou a vomitar e devolveu ao mundo todos os filhos que tentara eliminar anteriormente.
''Com o passar dos anos, a força e os gloriosos membros do príncipe Zeus cresceram rapidamente.'' Por algum tempo, sendo um neto digno do lascivo Urano, o jovem Zeus só pensou em aventuras amorosas, envolvendo-se com uma variedade de belas deusas, muitas vezes entrando em lutas com seus parceiros, Contudo, acabou chegando a hora de ele voltar sua atenção para os negócios de Estado. Havia dez anos os Titãs mais velho, habitantes  do monte Otíris, viviam em constante disputa com os mais jovens, '' aqueles que Réia, a de longos cabelos, gerara em resultado de sua união com Cronos'' e que moravam no monte Olimpo.
Se essa guerra era uma simples culminância de deterioração das relações entre colônias de deuses rivais, se uma explosão de ciúme entre deuses e deusas infiéis e amorais ou uma primeira  etapa da perene rebelião dos jovens contra o antigo sistema, a Teogonia não nos esclarece. Mas as peças de teatro gregas sugerem que tudo isso, em seu conjunto, criou uma prolongada e ''obstinada'' disputa entre os deuses mais velhos e os mais jovens.
Zeus viu nesse conflito a oportunidade de consquistar a supremacia sobre os deuses e, consciente ou inconscientemente, fez cumprir o destino de Cronos: ser derrotado pelo próprio filho.

O primeiro ato de Zeus foi''libertar os irmãos de seu pai, os filhos de Urano que Cronos, em sua tolice, mandara prender''. Em sinal de gratidão, os três Ciclopes lhe deram as armas divinas que Géia escondera do marido lascivo: ''O Trovão, o Raio e o Relâmpago que Irradiava''. Os dois irmãos de Zeus também receberam presentes: hades ganhou um capacete mágico, que o tornava invisível  [Daath???], e Poseidon um tridente milagroso, capaz de fazer o céu e a terra estremerecem. Para restaurar a disposição dos Hecatônquiros depois de longo cativeiro, devolvendo-lhes  o antigo vigor, Zeus mandou servir-lhe ''néctar e ambrosia, o mesmo que os deuses comem''. Em seguida, dirigiu-se a eles dizendo:

Ouvi-me,
ó brilhantes filhos de Géia e Urano,
para que eu possa dizer o que meu coração pede. 
Faz muito tempo que nós, 
os nascidos de Cronos, e os Titãs
lutamos diariamente uns com os outros,
para obtermos a vitória e prevalecermos.
Quereis agora mostrar vossa grande força e poder
e enfrentar os Titãs nessa amarga contenda?

Cotos, um dos que possuiam cem braços, respondeu: ''Divino, falas bem o que sabemos... por causa de tuas tramas voltamos da escuridão, nos libertamos de cruéis grilhões. E agora, com firme propósito e numa decisão conjunta, aumentaremos teu poder nessa guerra terrível e lutaremos contra os Titãs em duras batalhas''.
Assim, ''todos os que nasceram de Cronos, junto com os temidos poderosos de inigualável força que Zeus devolvera à luz... todos, machos e fêmeas, atiçaram a odiosa batalha''. Os Titãs mais velhos '' ansiosamente  arranjaram suas fileras'' para enfrentar  os olímpicos[.]

Fonte: Livro As guerras de deuses e homens.

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