SE É A MERA CURIOSIDADE QUE AQUI TE CONDUZ, DESISTE E VOLTA; SE PERSISTIRES EM CONHECER O MISTÉRIO DA EXISTÊNCIA, FAZ O TEU TESTAMENTO E DESPEDE-TE DO MUNDO DOS VIVOS.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

CREDO DO CRISTIANISMO - Parte 1.7

Sanctorum communionem
(A Comunhão dos Santos)

            1. (*) O conjunto de exposições sobre o Credo, feitas na Sociedade Hermética no ano passado [1884], apresentou – desde um plano interno e místico – os dogmas da fé cristã, mostrando que uma reta crença acerca dos mesmos é necessária para a salvação. E mostrando, também, que somente ao perceber nos atos da alma os atos do Cristo é que a teologia pode tornar-se uma ciência aplicada e um instrumento da graça.

            Passo a passo foram examinados os nove grandes eventos da missão de Cristo como Redentor e Senhor, iniciando com a Anunciação e concluindo com o Julgamento Final, sendo que todos esses Estágios e seus Intermediários foram apresentados como representando os vários estágios do progresso e da evolução internos ao longo da vida de santidade.


            2. Esse método espiritual de interpretação sempre foi adotado pelos místicos da Igreja, o que fez com que a fé se tornasse para eles conhecimento, que a tradição se convertesse em experiência e que, compreendendo o Cristo segundo o espírito, eles próprios se batizassem com Seu batismo, tomassem de Seu cálice e ascendessem com Ele, em coração e mente, ao Reino Celestial da vida interna.

            3. O nono artigo do Credo dos Apóstolos, a Comunhão dos Santos, interpretado nesse mesmo espírito, é um dos que possui maior importância e relevância. Esse artigo seconstitue na ligação existente entre a Igreja visível e a Igreja invisível, e implica a inter-união e inseparabilidade dos triângulos superior e inferior do Hexagrama sagrado, ou “Selo de Salomão”, o qual – desde esse plano [interno e místico] – simboliza a eterna presença do Espírito Santo dentro e sobre a Igreja, a união indissolúvel da natureza Divina com a Humana e, assim, a completude e o aperfeiçoamento da existência terrena e material por meio da imanência do mundo eterno e refulgente.

            4. A Igreja, assim simbolizada, tem três divisões: a celestial, a terrena e a relativa ao purgatório; ou, almas em beatitude, almas em conflito e almas em penitência, ou “na prisão”.

            A Igreja superior ou celestial compreende, primeiramente, todos os homens justos que se tornaram perfeitos, os espíritos e almas de retidão, que alcançaram a Ascensão do Cristo e passaram para o descanso do Senhor.
E em seguida, logo acima dessa parte, todos os anjos, tronos, principados, domínios e poderes pertencentes à criação dos Deuses ou emanações, os querubins, serafins e sefiras; e por último, bem no ápice, a própria Deidade. Essas são as três partes do triangulo superior.

            5. O triângulo inferior, que representa a Igreja terrena, compreende, enumerando de cima para baixo: primeiro, todo o corpo dos eleitos na terra, que foram instruídos nos mistérios de Cristo e incluídos na revelação da Cruz; em seguida, todos aqueles que, sendo de qualquer nação ou credo, alcançou o conhecimento desses mistérios por meio da iniciação interna, mas não estão em aberta comunhão com a Igreja visível.

            Por último, na região, ou condição, representada pela seção mais baixa do triangulo inferior, estão as almas aprisionadas, aquelas que, não tendo alcançado ainda a consciência das coisas espirituais, estão em um estado, não de graça, mas de pecado, e estão passando pela experiência e purgação necessárias à sua salvação.

            6. A Comunhão dos Santos é o laço de solidariedade pelo qual todas essas divisões da Igreja universal se ligam e sustentam uma a outra através de caridade mútua.

            A doutrina cristã insiste que nenhum homem vive ou morre somente para si. Os méritos dos santos são todos preces que se dedicam às almas de todos os que desejam ajuda e libertação.

            O sacrifício de Cristo se estende a todos os que exemplificam e participam de Cristo; e todas essas almas, de acordo com o seu grau, tornam-se uma fonte de graça fluindo sobre o mundo como emanações espirituais benignas, um veículo para a transmissão da luz e vida Divinas, que são de Cristo.

            Os justos são assim apropriadamente comparados com a lua e com os planetas no firmamento celestial. Eles iluminam a terra em virtude da glória refletida e duplicada que eles obtêm do sol central. E todo homem santo e sábio é uma inequívoca conquista para o mundo.

            7. Essas influências Divinas ocultas são atraídas especialmente para as almas afins a elas, as quais possuem um conjunto de tendências que estão na mesma direção, e que estão unidas em intenção com a energia em particular que elas emanam.

            Os méritos de um São Francisco de Assis podem encorajar notavelmente a uma dada pessoa. A vitória de uma Santa Maria Madalena, ou de uma Santa Agnes, podem encorajar a outras. Alguém pode adquirir forças e luz através da influência de um tipo quieto e humilde de santidade; e um outro pode adquiri-las através da poderosa influência de um São George, de um São Miguel, ou do corajoso profeta que foi uma voz clamando no deserto.

            Não que a graça assim transmitida seja necessariamente derivada daqueles que foram reconhecidos e canonizados pela Igreja. Mesmos esses são apenas grupos representativos de espíritos resolutos e vitoriosos que formam tantas constelações no firmamento místico como há níveis de virtude e de graça, e pontos focais de refulgência celestial, para a formação dos quais todas as eras e religiões contribuíram.

            Um Hermes, um Buda, um Pitágoras, um Sócrates, um Daniel, uma Hipátia, uma Joana D’Arc – cada um deles em seu lugar e grau – não apenas deixam um rastro de brilhante radiação em nosso céu quando passam em seu caminho para se unirem à hoste triunfante, mas também continuam, cada vez mais, como uma potência real, positiva eenergizante, para reforçar e sustentar a corrente de sua influência.

            8. Não existe outra força senão a força de vontade, e a oração é a mais potente, sutil e concentrada forma de força de vontade, e quando exercitada por almas nas quais toda a energia está polarizada e focada em seu emprego, ela alcança sua mais alta eficácia.

            A oração fervorosa do santo, portanto, é grandemente benéfica. Sua intenção, unida à vontade Divina, torna-se um poder operador de milagres. Não que a lei natural cesse ou que seja suspensa por ela, mas ela se constitui numa atividade superior da lei natural, precisamente como a atração magnética constitui uma atividade superior do que aquela manifestada na força da gravidade.

            Para exercer tal força em seu modo mais elevado, as energias mentais e psíquicas devem ser impedidas de serem dissipadas no mundo, e devem ser assiduamente cultivadas e aumentadas por meio da vida retirada e da contemplação religiosa.

            Quando a energia ativa do indivíduo é concentrada em uma acúmulo polarizado, ela se torna, por assim dizer, um ponto radiante, emitindo luz e força de uma ordem especial e miraculosa. Assim é o santo que, habitando na terra ou tendo partido dela, é uma fonte de graça, e um centro de poder vitalizante, distribuindo energia Divina para a humanidade.

            9. O corpo constituído pela união grupal da Igreja é uma união de orações, de boas obras, de graça sacramental e de atos meritórios. Os membros do corpo de Cristo não podem fazer nada sozinhos. Toda prece e todo ato em favor do próximo e em nome de todos, não de forma vicária – como substitutos um do outro, pois isso seria subversão da justiça – mas eucaristicamente, por meio de uma troca e de uma comunhão de bênção e graça.

            Dessa maneira as almas se beneficiam umas as outras, e dão e recebem bênçãos e auxílio, tanto entre os vivos como entre os mortos. Não com lamentações e prantos, portanto, é que devemos rememorar nossos mortos, pois essas coisas paralizam e perturbam, mas com preces, sacrifícios e atos de união Divina realizados em memória e em favor deles, desejando sinceramente para eles a consolação e a uni-ficação com Deus. Pois a morte do corpo não constitui nenhuma barreira entre uma alma e a outra. O amor não morre com a morte.

            10. Esse é um aspecto da Comunhão dos Santos, em sua relação com a Igreja, em seus três níveis, nos mundos do tempo e da eternidade. Mas o santo também tem relações especiais com Deus e com outros santos. Essas são fases da doutrina que é familiar tanto aos místicos do Oriente como do Ocidente.

            A Comunhão dos Santos com Deus consiste na relação mantida pela alma sagrada com o ambiente celestial. A condição de qualquer alma em particular é determinada pela capacidade que ela desenvolve de se corresponder com seu meio ambiente. Quanto mais limitada essa correspondência, mais baixo é o nível da alma na economia do universo. O homem não espiritual responde apenas ao ambiente limitado do mundo externo e inferior, e não é capaz de reconhecer qualquer coisa além desse mundo. Ele está morto para a relação com todos os ambientes mais amplos e mais elevados.

            Assim como para a criatura sem olhos a luz e a sua beleza não existem, assim também para o homem sem percepção espiritual o mundo espiritual e a revelação do Divino não existem. “Estar apenas interessado no que é carnal é morte”. Mas quando a alma se eleva para a relação com o espiritual e desenvolve o conhecimento e a experiência do meio ambiente Divino, ela alcança a comunhão que a relaciona diretamente a Deus – a Comunhão dos Santos.

            Nessa condição sagrada todas as formas e modos de conhecimento se fundem na união real com o Divino. A mais elevada de todas as realizações é o transcender o conhecimento de algo por ser aquilo; trocar a consciência das coisas externas pela consciência da essência interna, e assim fundir a seidade finita do homem com a seidade infinita da Deidade, de modo a perceber através de verdadeira experiência as palavras do Credo de Atanásio: “Uno pela elevação da condição humana até Deus”. Pois a Comunhão dos Santos e suas comunicações estão no Céu; o meio ambiente ao qual eles respondem é o Pleroma Infinito; os laços da seidade limitada são quebrados, e emancipação e apoteose são alcançados. Deus é o meio ambiente do santo.

            11. A comunhão dos santos uns com os outros segue-se da sua comunhão com Deus. Eles têm todas as coisas em comum porque tudo o que possuem é Deus. No ponto mais elevado da pirâmide da vida religiosa há uma única pedra e essa pedra é o Amor Divino.
            Esse é o ponto central do universo em direção ao qual todos os caminhos convergem. Almas sagradas para lá se dirigem por meio de muitas estradas, mas todas estão peregrinando para o mesmo templo.
            A derradeira expressão da vida santificada, a aspiração final do coração santo é sempre uma, quer a busquemos na Vedanta, no Islã, na iluminação Hermética, ou no misticismo Católico. A escola Alexandrina do pensamento grego foi, do mesmo modo que as teosofias orientais, permeada pela sede espiritual pela união com o Uno e Eterno. As Enéadas de Plotino perduram para sempre como um monumento da séria determinação por esta meta.
            O mesmo espírito deu fervor religioso às mais nobres mentes da era cristã. A paixão mística pelo Infinito que sempre persegue a alma humana, e que foi proclamada por Agostinho na declaração: “Vós nos fizestes, Ó Senhor, de Vós mesmos, e não podemos descansar até retornarmos para Vós”. Essa afirmação ressoa igualmente nos hinos védicos, nos clamores de Thomas Kempis e de Jeanne Guyon, nos sermões de Tauler e Eckhart e nos pensamentos dos escritores da “Germanica Theologia”, e assim também ressoa em cada profeta devotado, em cada poeta e visionário devotado de todos os tempos e regiões.

            12. É através da Pobreza do espírito mencionada nas Beatitudes que essa união é alcançada. Como disse um místico dos Sufis: “A pobreza é o tesouro dos santos. Pois até que um homem se dispa absolutamente de todas as coisas externas, de todas as sensações e conhecimentos sensoriais e ilusórios, ele não pode possuir a riqueza da excelência interior e oculta. A união com Deus é impossível em sua completude enquanto permaneça qualquer coisa no aspirante que obstrua a imersão da alma na SeidadeDivina”.
            “O segredo do místico”, diz São Dionísio, “é o segredo de tirar ou subtrair; o caminho da alma sagrada é a via negativa”. E nos Upanishades lemos: “Que o santo repita três vezes: ‘renunciei a tudo’”.
            13. Foi um sufi da tradição islâmica que escreveu o seguinte belo ensinamento: “Uma pessoa bateu à porta da casa do Bem Amado, e uma voz lá de dentro disse: ‘Quem está aí?’ O amante respondeu, ‘Sou eu.’ A voz respondeu: ‘Essa casa não abrigará eu e tu’. Assim, a porta permaneceu fechada. O amante se retirou para o deserto e passou o tempo em solidão, meditação e oração. Um ano se passou; então ele retornou e bateu novamente na porta. ‘Quem está aí?’ disse a voz do Bem Amado. O amante respondeu: ‘Éstu’. E então a porta se abriu”.
            14. A Verdade, tal como o Santo a conhece, é inteiramente espiritual. Pois ele contempla o primário onde outros percebem apenas o secundário. Ele reconhece a suprema verdade de que o real e absoluto não conhece nenhum passado, e que a salvação é algo independente de catástrofes.

            O que é primário na Intenção Divina é sempre o espiritual, e em relação a esse o fenomênico e temporário é tão somente o veículo ou modo de dispensação. No seu devido tempo, o fenomênico e temporário deve ser posto de lado a fim de que o espiritual possa ser estabelecido.

            A realidade de Deus não pode ser confinada ou expressada dentro de qualquer persona ou qualquer série de acontecimentos. Ela transcende todas as apresentações, seja de pensamento ou de vida. Para a alma, seu ideal é igualmente verdadeiro, quer já realizado ou não.

            A Divina Encarnação, para ser uma manifestação do Infinito, deve consistir de uma progressão sem fim. Quando o homem tiver se fatigado quase ao desespero quanto às tentativas fúteis de conquistar e estabelecer a verdade no plano dos sentidos e dos fatos, se ele for digno e fiel, Deus lhe revela o plano mais elevado do que é noumênico e Divino, que é unicamente onde a verdade eternamente habita.

            Então ele percebe que as coisas que ele antes via como essenciais são apenas sacramentais, um véu elementar, preservando e encobrindo do contato e do gosto vulgar o adorável Corpo e Sangue do Senhor. Pois, na verdade, todas as fórmulas e funções religiosas são sacramentais; e todos os conhecimentos teológicos são relativos.

            A Igreja terrena é o grande Apresentador, revelando em imagens a sabedoria que está oculta. E somente quando a graça interior e espiritual é alcançada é que o signo externo e visível é conhecido quanto ao seu real valor.

            De acordo com os místicos islâmicos, todas as religiões do mundo são como o mesmo vinho, apenas guardado em diferentes vasilhames. Quando esse vinho é derramado por Deus em um grande cálice, as religiões, então, se tornam indistinguíveis.

            15. Encontrar essa verdade interna e única, realizar Cristo na alma, crucificar a vontade humana, queimar todas as paixões mundanas no fogo do amor Divino, elevar-se a uma nova vida, ascender além de todos os céus, e habitar no lugar secreto de Deus – essas operações Divinas são indispensáveis para o místico e para o santo –esse processo é o único meio para alcançar a meta de toda aspiração: – a união com Deus.

            Nesse amor transcendente a Deus o amor aos irmãos é desenvolvido e desabrochado. O santo está em comunhão com a Igreja no Céu e na terra, porque ele está em comunhão com Deus.


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