SE É A MERA CURIOSIDADE QUE AQUI TE CONDUZ, DESISTE E VOLTA; SE PERSISTIRES EM CONHECER O MISTÉRIO DA EXISTÊNCIA, FAZ O TEU TESTAMENTO E DESPEDE-TE DO MUNDO DOS VIVOS.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

ENTREVISTA COM O PROF. WAGNER BULL

Entrevista com Prof. Wagner Bull

Por Horacio Verdur (Centro de Difusion del AIkido-Buenos Ayres).

CONVERSA COM O SENSEI WAGNER BULL

1. - O sentido da prática
2. - As Técnicas físicas e a realização pessoal
3. - As razoes que levam à praticar Aikido
4. - A Transmissão
5. - A Marcialidade e o desenvolvimento espiritual
6. - A difusão
7. - Uma Mensagem

Além disso, falamos sobre:
8. - A iluminação.
9. - A prática da meditação
10. - Aikido: o caminho do meio

O SENTIDO DA PRATICA

HV: Sensei, qual seria, segundo sua visão, a grande razão para a prática de Aikido?

S: Creio que uma forma de expressa-lo seria a seguinte: desde a antiguidade o ser humano adquiriu a racionalidade, infelizmente, essa grande conquista o desligou de sua capacidade de perceber a realidade tal como é, ou ao menos o desligou na maior parte. Sem dúvida e felizmente sempre houve entre nós pessoas nas quais essa obstrução da qual falamos não foi tão grande – esse homens às vezes são chamados de iluminados ou profetas ou budas ou santos, de acordo com a cultura na qual se desenvolveram - e eles criaram caminhos, métodos e sistemas como instrumentos para ajudar às outras pessoas a retornar a sua condição original de perceber a realidade diretamente, saindo das limitações do pensamento. O’Sensei foi uma dessas pessoas, como também Buda, Jesus Cristo, o profeta Maomé e tantos outros mestres.

Estes sistemas, por assim dizer, buscam não somente ajudar a perceber a realidade tal como existe no universo, mas também ensinam a viver de acordo com ela.

Este termo “realidade”, que estou utilizando, pode talvez ser melhor compreendido se usarmos como referencia o termo japonês “kanagara”, que significa ainda a idéia de algo que flui e se move constantemente. Se o imaginamos como um riacho ou um rio que flui enquanto lhe tiramos uma foto, então teríamos que o aqui e agora, o momento em que estamos vivendo, como uma parte da realidade que se move constantemente.

Este termo, kanagara, que reflete então um mundo (de energias ou vibrações) em constante movimento, às vezes é denominado O riacho ou rio de Deus... Kanagara.

Isso dito, tenha-se em mente o seguinte, o pensamento fundamentalmente obstrui e dificulta que o homem perceba a realidade, o que significa percebê-la tal como é, diretamente, como um rio que flui por onde passa, sem estar separado. O pensamento faz com que o homem se perceba a si mesmo como separado, fora do rio de Deus.

Então pode-se dizer que o Aikido é um desses métodos que ajudam as pessoas a perceberem diretamente a realidade, mas, e isso também é muito importante,ele também ajuda a utilizar o pensamento de tal forma que também esteja envolvido pela realidade e não fora dela, unido seria a palavra.

Quando se usa no Aikido o termo “entrar em harmonia com a natureza”, se está dizendo isso, unir-se a esse rio abraçando-o com o coração e compreendendo-o com o pensamento.

Este conceito transcende as palavras ou as idéias que se possa ter sobre ele, esta é apenas uma maneira de expressá-lo. Não há forma de abarcar este conceito em sua totalidade com palavras, por isso se diz “entrar em harmonia com a natureza” como uma forma de expressá-lo, mas ela é necessariamente incompleta.

Uma coisa interessante sobre o Aikido e que o torna atraente para mim é que não descarta nem o pensamento, nem o ego, nem a razão, e sim os inclui. Mas não como são agora, agora estas funções não estão suficientemente refinadas.

Com a prática se desenvolve uma forma muito especializada de pensamento, que é a intuição. Hoje, com qualquer um de nós, o pensamento puro e a intuição pura estão sempre em tensão, estão se chocando, e é necessário que esta tensão seja afastada para que a percepção se faça plena, por isso digo, o pensamento, agora, tal como está, não está suficientemente refinado. O pensamento comum, por si mesmo, não pode abranger nem perceber a realidade porque esta, a realidade, é sempre paradoxal, pois abarca todos os aspectos de uma coisa ou de um acontecimento ao mesmo tempo, inclusive aqueles aspectos que são ou que parecem ser opostos.


Em geral, pode-se dizer que a realidade não corresponde à lógica; na verdade é ilógica. Por isso, em alguns sistemas - como o Zen, por exemplo - se utiliza o paradoxo, o ilógico, o chamado não pensamento, como uma das formas de se ensinar a perceber o paradoxo que é a realidade. Sem duvida, o Zen trata em grande parte de eliminar o pensamento. O Aikido, ao contrario, trata de incluí-lo.

Por exemplo, há uma pequena historia Zen que conta a história de um aluno que procura um mestre para que este o ensine. Então o mestre o olha e lhe pergunta “Quem é você?”? Então o futuro aluno começa a falar e a contar quem é, qual é sua experiência, o que tem feito e o que faz… enfim, descreve com riqueza de detalhes todos os seus títulos e conhecimentos. Enquanto o aluno conta essas coisas, o mestre lhe oferece uma xícara de chá, e a coloca em suas mãos. Enquanto isso, o aluno continua falando. O mestre começa a servir o chá e vai enchendo a xícara lentamente. Chega um momento em que a xícara transborda e lhe queima as mãos e o chá se derrama por toda a sua roupa. Mestre, o que você está fazendo!!!! Estou me queimando!!!!”grita o aluno desesperado, e o mestre lhe responde “Você está cheio como esta xícara, transbordando de conhecimento. Como eu poderia colocar algo nesta xícara se já não resta espaço para nada? Você deve esvaziar essa xícara se quiser que entre algo novo”.

Esse é o conceito do Zen. Entrar no Vazio, esvaziar a mente, esvaziá-la de pensamentos para perceber a realidade diretamente. No Aikido, o problema se resolve de outra maneira.

Em lugar de esvaziar a xícara, no Aikido se propõe aumentar a xícara para que tudo o que tenha para entrar, entre. O Aikido é, em essência, juntar e não esvaziar. Para o Aikido o pensamento tem que estar unido com a realidade que tratamos de perceber, porque é natural que pensemos. O pensamento para o homem é algo natural e ele deve usá-lo e incluí-lo entre suas ferramentas. Eliminá-lo não me parece algo natural. O Aikido ensina dessa forma, treina dessa maneira.

Para sintetizar, em resposta a sua pergunta, creio que (isso é o que penso agora, hoje, em Setembro de 2005) o Aikido é o meio criado por O’Sensei para retornarmos à natureza original e percebermos a realidade tal como ela é, e finalmente participarmos junto com ela de seu fluxo, conservando sua própria identidade, o que quer dizer, o que você traz ao mundo como legado do passado, de seus ancestrais.

AS TÉCNICAS FÍSICAS

HV: Então é possível, com o treinamento físico, ou melhor, através das técnicas, experimentar esse estado de realização?

S:
Acho que só com isso, não. Mas, ao mesmo tempo lhe respondo que sim. O verdadeiro segredo está na maneira que você está fazendo as coisas. Enfatizo isso porque a maneira como você treina a atenção transforma um treinamento vazio, em que não se tem atenção, em um treinamento mais profundo, que envolve todas as partes do seu ser.

Entretanto, as técnicas, quando são bem executadas, sem dúvida produzem uma vibração, uma mudança das energias que entram em ressonância, em “harmonia” com as energias que estão fora e também dentro de nós e que chamamos de “realidade” ou kanagara. Essas técnicas, ao entrar em ressonância, com o tempo fazem com que as pessoas percebam melhor e as faz talvez compreender, mas acho que isso levaria tanto tempo que esta vida não seria suficiente para desenvolver este aspecto. Por isso, é necessário envolver a atenção e a consciência na realização dos movimentos. Isso funciona acelerando o processo e permite avançar muito mais rápido no desenvolvimento da compreensão.

Depois de desenvolver essa atenção, você pode (e deve) exercitá-la a todo momento. Um exercício muito importante é andar. Sim, andar, caminhar. Se você vê como uma pessoa caminha, sabe se ela tem a atenção desenvolvida. Tomar uma xícara de chá, como estamos fazendo agora, tem outro valor se isso é feito com a consciência total do que você está fazendo neste momento. Qualquer coisa lhe servirá para desenvolver sua atenção.

Certamente, no início é necessário o treinamento físico juntamente com a meditação, tenho certeza disso. Não que agora eu tenha a consciência totalmente desenvolvida, mas tenho certeza que minha consciência da realidade é agora maior que há 20 ou 30 anos atrás. Você poderia argumentar que isso pode ser causado simplesmente pela idade, e talvez seja verdade que a idade me fez ver o mundo de outra maneira. Mas acredito que o Aikido influenciou muito para criar essa percepção. Minha forma de ver é agora muito mais refinada, mais econômica, mais aperfeiçoada hoje do que era há algum tempo, e acho que isso tem a ver com o Aikido.

É possível que O’Sensei falasse disso também. É necessário a prática e a meditação para exercitar sua consciência a permanecer no que está fazendo... Pelo menos isso funcionou para mim.

AS RAZÕES QUE LEVAM A PRATICAR

HV: Quais são, no seu entender, as razões que levam as pessoas à prática de uma disciplina como o Aikido?

S:
O sentimento de inferioridade, sem dúvida. E também a culpa. O homem tem a noção de que há algo errado dentro dele, mas em muitas vezes, não chega a perceber que é isso o que está errado, que está mal. De alguma maneira, consciente ou não, o homem quer se equilibrar. Talvez sinta esta falta de equilíbrio e esta necessidade como um desejo por estar melhor fisicamente ou de estar mais relaxado, ou de ser mais extrovertido e perder o medo das outras pessoas. Estas e muitas outras são maneiras de perceber esse desequilíbrio, e as pessoas se esforçam para se reequilibrar. É como uma lei universal, certo? A busca para retomar à condição original, ao estado de equilíbrio. Mas qual é essa condição original?

Judeus, cristãos e outras religiões têm o mesmo conceito. Eles dizem que o homem pecou, que se afastou do Éden ao provar uma fruta proibida. E assim, tudo o que faz é para retornar ao Éden, ao jardim, a Deus, à sua casa, ao lugar que lhe pertence.

Os caminhos como o Aikido aumentam muito essa percepção do desequilíbrio e ajudam a pessoa a retornar, a sentir-se equilibrado com as forças do Universo que tentam movê-lo, desequilibrá-lo.

Eu noto o aumento desse desequilíbrio em meus filhos. E veja que eu os influenciei muito através do Aikido. Eles têm agora uma consciência muito maior que eu tinha com a mesma idade. Assim também eu percebo que tenho mais consciência que meu pai na mesma idade. E mesmo ele já tendo falecido, eu noto que ele não tinha algumas coisas resolvidas quando tinha a minha idade. E o mesmo acontece comigo e meus filhos. Eles já resolveram coisas que eu, com a mesma idade, estava muito longe de resolver. E isso se deve muito ao treinamento da consciência através do Aikido.

A TRANSMISSÃO

HV: Pelo que você chegou a ver, acredita que com a transmissão, os ensinamentos de O’Sensei permanecem como foram em sua origem ou sofreram muitos graus de tergiversação e mudanças?

S:
.... O único, .... escute bem, o único que praticou Aikido segundo os ensinamentos de O’Sensei foi... O próprio O’Sensei.
Todos, novamente escute bem, todos nós, só temos versões mais ou menos acertadas destes ensinamentos. Por isso eu não me preocupo, já que todos nós ensinamos errado, mal.

Eu, pessoalmente, não quero que nenhum dos meus alunos me copie. Eu quero que eles me observem e busquem sentir se cada técnica está sendo correta ou não. Ele sente uma vibração dentro de si, alguma sensação que indica que é por aqui e não pelo outro lado? Se sim, então eu deixo que ele continue. Às vezes percebo que algo anda mal, e muitas vezes não sei bem o que é, mas sei que algo está mal. Então lhe digo que tente com o pé assim ou de outra forma, ou com a mão ou com o braço. Mas, quando faço correções deste tipo, são apenas correções parciais, na verdade o que eu percebo é algo que tem a ver com a totalidade do movimento. Na verdade, só posso fazer correções parciais como essas, o resto, cada um deve descobrir por si.

Por isso, quando o aluno aprendeu o básico, eu o ajudo a treinar esse sentimento do que está errado ou não. Não me considero por isso um professor. Logicamente no principio e durante os primeiros anos, eu sou muito rígido com a forma, mas prefiro ser um motivador e levá-los a descobrirem por si mesmos.

Sabe o que significa em Japonês a palavra Sensei? Significa “aquele que tem mais tempo, mais experiência”. É isso o que sou. Alguém com mais tempo de treinamento. Eu só posso mostrar meu entusiasmo e alegria com a prática, essa energia os ajuda a permanecer praticando. E se eles conseguem prosseguir por um tempo suficientemente longo.... Eles vão conseguir desenvolver esse sentimento, essa autonomia. É o que sou, um facilitador, um líder, talvez sim, mas não um professor.

Você percebe que Dojo significa, não um ginásio, mas que a palavra quer dizer “lugar para a descoberta”? Se um aluno compreende isso, vai descobrir algo um dia.

Agora, pelo lado pessoal, o Aikido me estimulou bastante a prestar atenção. Se você me pergunta se eu descobri o kanagara, lhe digo que não. Eu creio que sem dúvida melhorei, mas ainda não descobri. Já tive esse sentimento de fazer as técnicas em harmonia com o kanagara, se você quer saber, e creio que esse sentimento criativo marcial que O’Sensei chamava de Takemusu Aiki tem que ser criado dentro cada um de nos e por nos mesmos, do contrário, as técnicas de Aikido, assim como a defesa pessoal, não vão funcionar.

Vejamos o exemplo do kototama. O que é o kototama? São sons que se harmonizam com o que existe no mundo, com o kanagara. São utilizados os sons ao invés do corpo como no Aikido, mas é a mesma coisa. Se você tem o conhecimento da harmonia pode executar esses sons em ressonância com as vibrações do universo. Se você percebe o desajuste, tem que ajustar e assim vai progredindo. Isto é exatamente o que acontece com o Aikido, que trabalha com movimentos ao invés de trabalhar com sons.

Entretanto, quanto mais se percebe este desajuste, mais simples se torna ajustar o movimento, por isso prefiro um treinamento muito forte, muito duro. Assim eu percebo melhor essa tensão e isso me ajuda a compreender mais rápido. Como uke, ao contrario, prefiro seguir o movimento, não travá-lo. Assim, meu treinamento fica completo.

A MARCIALIDADE E O DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL

HV: Qual é a relação entre a busca de altos ideais espirituais e o conceito marcial?

S:
Kano Jigoro Sensei foi quem colocou em palavras um conceito muito original de marcialidade, dizendo que aquele que é marcial tem como objetivo a máxima eficiência com um mínimo de esforço. Quer dizer que quanto mais marcial é uma técnica, mais estragos pode causar com um mínimo de emprego de força. Esse conceito é o ponto de encontro, por exemplo, entre Bujutsu e Budo ou Aiki Jujutsu e Aikido.

Este conceito manifesta a união de técnicas que foram criadas para destruir ao outro com técnicas que geram amor por esse outro. E por que é o ponto de encontro? Porque em ambos os casos, se busca a maior eficiência com um mínimo de esforço.

Descobrir a harmonia de saber o que o outro vai fazer e, em vez de destruí-lo, levar-lhe paz, isto é a paz através da guerra. No Aikido treinamos para a guerra e nos preparamos para a guerra porque buscamos intensamente a paz.

Esta é uma verdade que novamente vou expressar mediante um paradoxo. Por exemplo, se lhe perguntar se você está vivendo ou morrendo agora, o que você responderia?
-- Eu lhe responderia que agora estou vivendo.
-- E o que você diria se eu lhe dissesse que cada célula de seu corpo está morrendo agora e que todo seu ser começou a morrer no momento que nasceu?
-- Hmm… eu lhe diria que você tem razão.
-- Então, você acha que está vivendo ou morrendo?
-- Creio que ambas as coisas estão acontecendo ao mesmo tempo.
-- Então, vê como é necessário um paradoxo para explicar algumas coisas, certo?

A DIFUSÃO

HV: Por que é importante difundir o Aikido? O que o leva a liderar uma organização tão grande, aonde os problemas devem ser igualmente grandes?

S:
É uma coisa natural que acontece por causa do crescimento. O crescimento é uma questão natural na vida como uma planta que desenvolve sua energia buscando crescer e logo dispersando suas sementes, que por sua vez vão buscar crescer e gerar mais plantas. Não existe o “não crescer”. O que não cresce e se desenvolve, morre. Por isso, não é algo que está em nosso poder decidir.

Agora... Quanto a essa idéia de que os problemas são maiores, isso é algo gerado pelo pensamento. Na realidade, isso não acontece só assim. Em parte é verdade que os problemas são maiores... Mais complexos, mas também é verdade que as ferramentas de que se dispõe agora para lidar com esses problemas são também melhores. Tome por exemplo o que acontece com as crianças. Eles têm problemas adequados a sua idade. Olhando por seus olhos, as crianças podem dizer que nossos problemas, dos adultos, são tremendamente difíceis de resolver. Mas nós temos o conhecimento, ou seja, temos ferramentas que nos permitem resolver mais adequadamente os problemas que nos surgem.
Agora, bem... Voltando ao crescimento. Tudo deve crescer, ou morre. Mas pode crescer em diferentes direções.... E tudo é crescimento.

Depois, pessoalmente me estimula que outras pessoas façam o que eu faço. Existe um ditado, vox populi, vox dei. Talvez se conseguirmos que muita gente venha a conhecer o Aikido, ele se torne a “palavra” de todos.

UMA MENSAGEM

HV: Qual seria sua mensagem para outras pessoas, que praticam ou não o Aikido?

S:
Persista… ou busque sempre ser quem você é na realidade. Ser você mesmo, esse é o maior problema. Mas se você me pergunta se eu consigo isso, respondo que não... mas estou tentando. SE me perguntar se isso é possível, responso que sempre é possível melhorar. E se você pergunta se o Aikido serve para atingir esse propósito, eu lhe digo: ajuda.


OUTROS TEMAS
A ILUMINAÇÃO

HV: Todos os sistemas e caminhos que você mencionou (taoístas, sufístas, cristãos, hindús, budistas) têm uma linhagem de pessoas que são chamadas de iluminados, ou de patriarcas, profetas, santos, budas, etc.
Aonde estão os iluminados do Aikido? Porque, alem de O’Sensei, que teve seu próprio processo de iluminação, não sei de ninguém mais que tenha passado pela mesma coisa.

S:
Conforme eu entendo, a iluminação não é um processo absoluto, não acredito que exista a pessoa totalmente iluminada que permanece assim todo o tempo. Pelo menos não conheci nem vi nenhuma. Conheci pessoas muito grandes espiritualmente, com as quais me senti pequeno, reverente, mas não creio que elas sejam completamente iluminadas, porque posso perceber isso. Eu as vejo e vejo que mesmo sendo muito grandes, ainda tem coisas pendentes, coisas a serem resolvidas.

Mas acredito que há graduações... graduações de consciência. Existe uma grande variedade de graduações de consciência que vão desde aqueles que somente respondem ao chamado da situação, quero dizer, quase como animais, respondem a impulsos básicos de fome, sede, sexo, etc., vão deste grau até os níveis mais altos de consciência. Vendo desta forma, você também é um iluminado. Não totalmente iluminado, certamente, mas sem dúvida, pela busca que você faz, posso perceber que você é um iluminado em certo nível.

Então... A iluminação para mim é um fenômeno gradual de despertar. Isto faz com que existam pessoas que vivem na mais absoluta escuridão, como se estivessem com os olhos fechados, outros tem um pouco mais de luz porque tem os olhos entreabertos, e outros têm os olhos totalmente abertos... Assim.

Os chineses explicaram isso de una maneira muito bonita, com a representação (a história) de um menino e um touro...
-Bem, isso está mostrado aqui, venha – ele disso, e me levou a uma das bibliotecas do Dojo e me mostrou em um de seus livros os desenhos a que se referia -. O menino que está observando o lago representa a nós, e o touro é a realidade, o Tao. Primeiro, ele não a conhece. Ele está brincando no lago e não vê o touro que está pastando lá, por isso o touro não está desenhado na primeira figura.

Ele então tem um vislumbre, como uma intuição, ou uma visão parcial de que há algo que se parece com um touro, que aparece representado como o menino que somente vê uma parte (o rabo) de um touro.

Depois ele tem uma visão mais completa da realidade e vê o touro completamente, e imediatamente começa a lutar furiosamente contra ele para domá-lo. Depois se dá conta das leis que governam ao touro e aprende a dominar e a comunicar-se com o touro, até que consegue montar nele e viajar para todos os lugares. Logo está tão a vontade em cima deste touro que se esquece que existe um touro abaixo dele, se torna uno com este touro, e a dualidade touro-menino desaparece. Por último, retorna ao estado inicial para ver o mundo que havia deixado antes, mas agora esse mundo não é igual, agora já não existe touro mas também não existe menino, só existe a inalterável paz do lago.

Nós, você e eu, estamos aqui, lutando com esse touro. Entretanto, não conseguimos domá-lo e montamos nele. Mas estamos sempre lutando com ele, compreende?

A PRÁTICA DA MEDITAÇÂO

HV: Sensei, em minha busca de alguma coisa... maior, mais... não sei como expressar isto…

S.
Diga, diga... Deus, em sua busca de Deus, coloque isso em palavras.

HV: Está bem, em minha busca de Deus, descobri que uma parte importante, um componente básico além da prática do Aikido é a meditação. Não encontrei no Aikido um método preciso de meditação, então, buscando por anos, adotei um sistema que se adapta melhor a mim.

O primeiro milagre que consegui com este método é que conseguia acordar muito cedo, as 4:00 ou 4:30, para meditar, sem sentir dúvida ou obrigação, apenas entusiasmo, e continuar o dia de trabalho e prática do Aikido com energia até de noite, quando ia dormir. Sem dúvida esse sistema não pertence à prática do aikido nem tem origem em práticas shintoistas, budistas, etc. que possam estar relacionadas com o Aikido, e talvez traga coisas, energias ou algo assim, que vem de fora e não estão alinhadas com os princípios do Aikido. Pode ser possível que isso cause problemas?

S:
Qual é a sua prática?
(eu a descrevo)

S: Interessante. É difícil dizer se há algo que pertence ou não ao Aikido. O que você descreve pertence em parte ao Taoísmo, à Yoga, e esse exercício de contrair e expandir que me explicou é um exercício de kokyu. Sensei Masanao Ueno (meu mestre shintoísta) me descreveu e ensinou exercícios muito parecidos com esses para aprender a controlar e a direcionar o ki. Isto é o que se aprende com a prática do Aikido. Cada movimento ou técnica necessita da expansão e contração da energia, e técnicas como Nikkyo, Sankyo, etc, esticam, retorcem e destravam a circulação do ki dentro do corpo.

Já esse assunto de chakras e centros vitais, ou como quer que os chame, não sei se é uma coisa real ou algo da imaginação, não posso dizer. Certamente existe uma explicação, que para todos os fins é a mesma coisa, e isso sim posso afirmar que existe, e é a seguinte:

Quando você nasce, uma das primeiras coisas que gera tensão no bebê é a questão da evacuação. Ele é estimulado sutilmente através de comentários, caras feias, etc. de que isso é algo que ele deve restringir. Então isso gera na criança, inconscientemente, uma contração desta área anal/perineal para evitar os estímulos negativos. Algo semelhante acontece com o reflexo de sucção ao mamar. Quando isso lhe é negado, se gera na área da boca e da garganta uma tensão que continuam quando ele é adulto ou maior.

Uma coisa parecida acontece com as emoções, que por algum motivo são sentidas no peito, aqui no centro. As pessoas sabem, quando estão tristes, há uma coisa aqui no peito que se move. Os estímulos negativos constantes contra as emoções levam à contração desta área. E também na cabeça, entre os olhos, se alojam tensões. Por algum motivo estas áreas de acumulação de tensões têm a ver com as posições em que se localizam os chakras ou os centros de que você falou.

Logicamente, qualquer coisa que você faça para desalojar essas tensões, para relaxar essas áreas, vai ajudar a romper os compartimentos e bloqueios que se criaram em sua estrutura e vai permitir que sua energia flua mais livremente, fazendo com que você se sinta melhor. O Sensei M. Ueno me ensinou também um exercício shintoísta que consistia em inspirar, contrair o períneo e, segurando a respiração, contar ichi, ni, san, e soltar. Vê? Isso serve também para relaxar essa área.

Eu pratiquei durante muitos anos exercícios semelhantes a esses de que você fala, e eles me ajudaram. Esses mesmos exercícios devem estar presentes e ser utilizados conscientemente durante a prática do Aikido.


O CAMINHO DO MEIO

- O Aikido representa o caminho do meio, a luta que todos nos temos, a principal batalha dos homens, resolver constantemente, todos os dias e a cada instante, em cada ato, uma tensão que existe entre o pensamento e o coração. Esta batalha está presente em todos os momentos, em cada decisão, em cada ato, em cada pensamento.

Quando o resultado se decide para o lado do pensamento, você pode conseguir coisas, mas fica triste, com um sabor amargo no fim. Quando se decide a favor do coração, muitas vezes você fica parado em frente a um precipício, e pode cair, às vezes é muito perigoso... Então, é uma dualidade que deve ser resolvida.

Então o Aikido é o caminho do meio, porque é a ferramenta que permite resolver esse conflito evitando os perigos, mas agindo de acordo com o que nos manda o coração.

Creio que o coração deve vencer sempre, mas se deve encontrar uma forma para que a razão participe para que não haja risco, ou que o risco seja o menor possível. Assim, ambas as partes contribuem ao máximo, e você vai se adaptando e se acostumando a perceber o que o coração lhe diz.

Quando você se dá conta de que há algo errado dentro de você, é o coração que sente, então você deve relaxar e perceber, .... O que é que estou percebendo? O que é que estou sentindo aqui, no meu peito?

Mas se você não está relaxado, como vai poder perceber isso, como vai poder sentir?

Se você sente que está na mais completa escuridão, como me disse – não acredito que você está, mas isso não importa - mas se você acha que é assim, que está na escuridão, então não pode “ver”, o que quer dizer que não pode pensar, entende?

Então deve fazer algo diferente, tem que relaxar e perceber, sentir o que o coração diz... É como agarrar uma pequena luzinha e buscar na escuridão, assim a escuridão vai diminuindo, não é? Experimente, esse é o caminho.

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