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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

EROS E ERIS - AMOR OU GUERRA?

AMOR OU GUERRA?

Por Alfredo Tucci, Traduzido por Fernando Sanchez – Instituto Takemussu – Michi Dojo/São José dos Campos/SP

Artes Internas ou Artes Externas? Eros e Eris.

Se existe uma divisão essencial e externa nas Artes Marciais, esta vem marcada pelo seu próprio nome. De um lado o Artístico e de outro Marte. A Arte como paradigma de Eros e Marte como perfeito exemplo de Eris. Eros, o antigo Deus do Amor nasce do Caos, enquanto seu irmão Eris nasce da Guerra. Como vês, nas raízes de nossas culturas também existia em suas origens o conceito dos opostos complementares de Yin e de Yang, do mesmo modo que as tradições do oriente.

Amor e Guerra são duas forças opostas e complementares e todas as culturas participam de ambas, se bem que em determinados períodos da história dos povos a tendência tenha sido destacar mais uma que a outra.

Como forças indiferenciadas, Eros é tão necessário como Eris. Um cria, o outro destrói, para renovar assim o ciclo da vida, a evolução e a mudança seguem seu curso eternamente.

Povos como Esparta puseram maior ênfase em Eris, enquanto Athenas colocou-o em Eros, entretanto, daquela dialética surgiu uma grande cultura, da qual todos no ocidente somos devedores. A guerra tal e como diz o grande estrategista chinês Sun Tsu é um assunto de vital importância, constitue a base que determina a vida ou a morte, o caminho em direção a sobrevivência ou a aniquilação.

A guerra não é um assunto muito popular em nossos tempos nos quais o valor da vida do indivíduo cresceu muito, especialmente se olharmos para trás na história e o compararmos com o que era atribuído a ele em tempos pretéritos.

Por empatia, mais do que qualquer outra razão, nenhum de nós ama a idéia da guerra. Nem sequer o princípio que representa possuí-la, digamos assim, o que se diz uma boa impressão. Isto eventualmente deveria deixar a Eros passeando pelo Planeta, e o corno da abundância, a cultura do vinho e o mel, seriam o pão nosso de cada dia... mas, todos sabemos que não é assim.


O fiel da balança nos corações e nas mentes humanas (ao menos formalmente) se inclinam, hoje em dia, em direção à “irmã suave” antes que em direção ao irmão destruidor. Esta preferência de fato tem criado um desequilíbrio em nossas sociedades modernas. Tudo aquilo que representa a Eris, a força de repulsão, o guerreiro, é visto com desagrado e tem sido colocado de lado: a violência, a guerra, a morte... Se até o próprio inverno tem uma má impressão! O ideal humano, o paradigma do paraíso é Eros e logo se assemelha muito mais a uma ilha paradisíaca cheia de jovens felizes fazendo amor e, claro..., o verão!

As Artes Marciais devem, como um todo completo, representar em si mesmas ambos os princípios, e assim tem sido feito durante séculos, se bem e dado que tudo existe em graus, existiu com maior ou menor predominância de ambas as forças, à medida que os estilos foram se especializando.

AS ARTES SUAVES, AS ARTES DURAS.

Um hipotético cenário de origem comum (uma imagem sempre idealizada) nos falaria do mítico princípio puro no qual um perfeito equilíbrio existiria entre ambas. Uma Arte Marcial onde tanto a Arte como o Marcial tivessem sua justa parte, em que tanto os aspectos marciais representando Eris, como os artísticos em representação a Eros se expressarão e formarão parte de sua filosofia e prática.

Entretanto, com o passar do tempo se desenvolveu uma especialização diferencial, que existe, como bem sabes, entre os estilos. Existem os mais propensos enquanto a forma aos movimentos suaves e lentos; e existem os duros e rápidos. Quanto ao conteúdo: existem estilos que fixam a atenção do praticante predominantemente ao interior, enquanto outros só existem em função do oponente externo. Assim, até para o maior dos profanos existem dois tipos de Artes Marciais: as suaves ou internas e as duras e externas.

Bem é certo que tal divisão, como todas, é antes uma gama de matizes do que uma linha traçada com um pau no chão. Os diversos estilos, felizmente, e muito especialmente aqueles mais antigos, incidem em ambas partes dessa linha, ainda que a lei da predominância está implícita em cada forma de entender a Arte Marcial.





Mas permita-me aprofundar mais nesta característica diferencial para ver até onde nos podem levar e, deslocando em direção à realidade, poder compreendê-la um pouco mais. Às vezes só colocando as coisas nos extremos podemos perceber mais profundamente o que está oculto por trás dela, não é mesmo? Ninguém se sinta ofendido por uma caricatura que só nos oferecerá uma possibilidade de olhar o conjunto de nossas práticas com perspectiva.

OS ESTILOS INTERNOS E SUAS PREFERÊNCIAS. DANÇAS OU LUTAS?

Os estilos internos, tal como seus irmãos do lado oposto, atraem decididamente como praticantes aqueles que lhe são afins, que vibram em seu mesmo tom. Da mesma forma, os dos estilos predominantemente internos não teriam nenhum empecilho em declarar-se abertamente e sem nenhum pudor como amantes de “Eros”.

Os sinuosos e suaves movimentos do Tai Chi são o “queijo na ratoeira” desse homem esguio, intelectual, interessado nas Artes, amante da Paz e do silêncio, preocupado com a saúde, com as boas maneiras e pelo estado da Camada de Ozônio.

O praticante de Tai Chi (entendendo que estamos usando o Tai Chi como exemplo e descobrindo um personagem estereotipado e em certa medida falso), se sente atraído de forma inconsciente em direção a sua Arte, pois esta sem dúvida mostra sua cara mais "erótica" (Eros) num primeiro contato. Logo a prática, se bem ensinada, surpreende o adepto com suas formas de combate, o contrasta com o esforço destas posições que para serem corretas e naturalmente adotadas requerem um enorme trabalho e uma perseverança a toda prova, algo muito mais "Erítico"! Mas, não seria o primeiro caso de um mestre de Tai Chi, nem possivelmente o último que se aproximara de mim para queixar-se do muito que custa em imbuir em seus alunos o adequado espírito marcial nas suas práticas.

Faz uns dias e por mudar de estilo (não seja que se dê o caso de que eu preferi algum), gravamos um vídeo com um grupo de praticantes de Esgrima, entendendo esta no sentido amplo, quer dizer, não só Esgrima de Espada, mas também Esgrima Filipina e luta com todo tipo de armas. Sua peculiaridade reside em que suas práticas se enriqueceram pelo estudo de um material interessantíssimo vinculado a história de seu país, Itália, desde a Idade Média e especialmente durante o Renascimento onde esta Arte era amplamente praticada por todo mundo. “Nova Esgrima”, assim é chamado este grupo que tão diligentemente é dirigido por Graciano Galvani o qual sem dúvida ouvireis falar muito no futuro. Escreveu vários e interessantes tratados sobre a matéria despertando a atenção de muitos jovens universitários. O D’Artagnan que habita em cada um de nós despertou neles suas fantasias românticas. Galvani descobriu que o preciso momento em que nas suas aulas apertava o acelerador do marcial (algo por outro lado essencial em seu trabalho cotidiano) seus ilustres pupilos desertavam apavorados. É então que Galvani trabalha sua Arte de tal forma e como deve ser feito... mas, o suor, o esforço e os golpes não são românticos...

Algumas escolas de Aikido, felizmente não todas, e cada dia menos, seguem dançando em volta do Nague ao invés de aprender a desferir um ataque verdadeiro; alguns aikidokas não amam nada de Eris! Entretanto, o verdadeiro Aikido é impossível sem ele, pois tal como descreveu seu fundador, o Aikido é a unificação dos dois princípios.

OS ESTILOS EXTERNOS: A VIA DO ROBOCOP

A eficácia no combate está, sem dúvida, na origem de todas as Artes Marciais como uma básica aspiração de justa utilidade. Entretanto, o reducionismo das atuais modas no setor estão relegando muitos estilos a uma coleção de técnicas para desportivamente ou sem regra alguma, conseguir reduzir o inimigo a um pedaço de carne tal e como o expressou Groucho Marx “desprezado até nos açougues mexicanos” (e que me perdoem os amigos do México! Onde existem carnes magníficas) quase completamente entregues nos braços de Eris, as formas profissionais de combate focalizam um aspecto que, não por ser importante, deve ser excludente da pratica das Artes Marciais. As formas policiais e militares de combate poderiam confessar abertamente amantes de “Eris”, como não poderia ser de outra maneira. Entretanto, nos estilos nascidos ou recriados ao calor dos “Vale tudo” tem transformado o combatente numa patética imitação do guerreiro e inclusive da milícia. Levado ao paroxismo, esta tendência leva muitos indivíduos a entregar-se, como é bem sabido nestes círculos, ao consumo de esteróides anabolizantes que os convertem verdadeiramente em massas espetaculares de carne, tremendos “robocops” cuja função não parece ser outra que conseguir destruir a outra enorme massa de carne em um ringue.



Como pode haver desenvolvimento pessoal naqueles que se destroem a si mesmos? Onde ficou Eros nesse caminho?

É certo que há entre os amantes da eficácia todo tipo de pessoas. Muitas delas, felizmente, magníficos esportistas e lutadores que cultivam seu corpo de forma sadia e expandem seu ardoroso espírito combativo, fazendo-nos correr rios de adrenalina e entusiasmo pela sua valentia, pudor e bravura; indivíduos, alguns deles, que ademais cultivam seu lado feminino, seu intelecto e sua sensibilidade. Mas estes são sem dúvida a minoria, não nos enganemos.

Assim, se és mais gordo do que alto, gosta mais da ação ao invés da reflexão é gosta do heavy metal, é mais fácil que acabeis fazendo boxe antes que Aikido, luta-livre antes que Tai Chi, que treines pesos e não alongues adequadamente e que adores a tensão no lugar do relaxamento.

VERDADEIRAS “ARTES MARCIAIS”

Todas as mitologias nos falam do princípio Único, do indiferenciado e logo da dualidade. Nosso mundo esconde atrás dela sua essência primordial única e à medida que nos distanciamos desse princípio único as infinitas combinações binárias dão lugar ao Universo em todas as suas formas e possibilidades. Das formas unicelulares às multicelulares, do inanimado até a vida; a evolução é sempre complexidade, multiplicidade, diferenciação. As Artes Marciais não poderiam seguir outro critério. Desde suas origens os estilos mais diversos têm sido estilos completos onde o adepto era iniciado em formas de combate que implicavam um conhecimento de si mesmos e dos demais cada vez mais sofisticados.

Precisava atender tanto o interno quanto o externo. Tinha que ser capaz de escutar a Natureza e seus signos, curar ao invés de ferir, matar ao invés de dar a vida, pois o guerreiro era por sua vez xaman, defensor da tribo e guardião dos conhecimentos. A especialização veio depois, muito depois e, sem dúvida, trouxe muitas coisas boas: nossa habilidade cresceu, nossos arsenais melhoraram, nosso conhecimento também, mas algo se perdeu, talvez no caminho... algo muito especial que alguns grandes Mestres se empenham em não esquecer.

As Artes Marciais são Marciais, mas também Artes. Internas, mas externas. Como todo o grande, as Artes Marciais são paradóxicas e sua adequada compreensão e prática implicam nosso ser total: mente, emoção e corpo, num trabalho transformador e evolutivo que atende a pessoa de um modo completo e não apenas parcial.

O TEMPO DOS EXTERNOS

Hoje em dia as sociedades modernas olham para outro lado quando quem aparece em cena é o indócil Eris. Suas virtudes têm sido denostadas, seus propósitos mais belos desvirtuados, sua presença apartada. Eris dá a vida ao destruí-la, renova como o inverno a terra quando com seus gelos rompem a fibra vegetal caída ao solo no outono, permitindo assim que a primavera a apodreça para criar o fértil fundamento de um novo ciclo de vida.

A morte se afasta de nossas vidas, os cemitérios ficam longe do cotidiano; a velhice não é mais algo respeitável senão defeituoso; as crianças já não aprendem dela, pois não convivem com seus avós e, o militar e a policia, não os consideram senão como um mal necessário, ao qual há que acudir para que nos tirem as castanhas do fogo.

Nossas sociedades só querem ouvir falar de Eros, mas está claro que isto não é possível e acabam encontrando (assim parece indicar a silenciosa lei não escrita) aquilo do qual fogem.

As Artes Marciais de hoje em dia vivem tempos de extremismos, como os do próprio planeta. Os estilos internos cada dia se distanciam mais dos aspectos duros, pois os próprios alunos que chegam a eles atraídos pelo seu encanto buscam só este aspecto e muitos professores, que não querem ver como suas classes se esvaziam, cedem à pressão.

Os estilos externos mais extremos cultivam cada vez de forma mais impetuosa e selvagem a destruição do oponente, esquecendo que existe a Arte, a suavidade, a luta com si mesmo e por sua vez outro modo de resolver os conflitos do que esmagando o próximo.

A VIA DA HARMONIZAÇÃO

A harmonia sempre surge dos opostos e as Artes Marciais, se não querem no seu sentido mais exato deixar de sê-las, devem combinar ambos os princípios para alcançar a harmonia e o equilíbrio que os alunos demandam no fundo para si mesmos.

Talvez hoje, neste marasmo de milhares de estilos sem as referências de autoridade de antigamente, quando qualquer um opina, mesmo sem saber, não nos resta outro remédio que olhar ao nosso redor e vermos nós mesmos para responder-nos sinceramente se o nosso é um trabalho verdadeiramente equilibrado. Para saber se é Eros quem nos domina em excesso ou talvez Eris quem gosta de possuir-nos.

Sabemos que não se pode simplificar. Que as coisas não são brancas ou pretas, mas, com este artigo somente aspiramos iniciar uma reflexão antes que abrir um debate. É o típico texto com o qual é difícil “fazer amigos” pois é crítico, mas nós não queremos “olhar o outro lado” e por isso o publicamos. Então, que cada um faça “DE SU CAPA UM SAIO” pois sempre haverá diversidade e não somente a aceitamos (veja o conteúdo de nossas páginas) senão que, além disso, somos da opinião de que esta nos enriquece a todos.

De um extremo ao outro do mapa marcial tudo é possível, mas também não é menos verdade que existe um justo meio. Como na flecha da evolução o justo meio é a forma mais incisiva de avançar, a aguçada vanguarda da evolução e a mudança pelo qual passarão descuidadamente sempre os caminhos do futuro.

Para todos, seja qual for vosso estilo, aí vai nosso sincero conselho, cada um deve seguir sua natureza, mas sem descuidar-se de trabalhar o oposto: como artista marcial, mas também, e, sobretudo, como pessoas.


Nota do prof. Wagner Bull:
Na essencia do Aikido existe um Budo autêntico, espiritual, o Takemussu Aiki, não podemos como aikidoistas esquecer de que as técnicas devem tambem serem eficientes como defesa pessoal para que sejam realmente autênticas e que tenham por fim a iluminação espiritual. Quem pesquizar o Aikido vai encontrar nele grande arte marcial, mas também um Caminho de vida excepcional que ele nos abre. Algumas escolas de Aikido atualmente , estão se esquecendo deste aspecto importante, e praticam esta arte como uma ginastica para a saude liberando a energia "Ki" , e tambem envolvendo seus aspectos estéticos. Isto está muito bom e válido também , mas é algo limitante. Deve-se compreender que o Aikido tem um escopo muito mais amplo, que é o de um Budo espiritual "Shin no Budo", que não pode deixar de ser cultivado sob pena de se perder talvez sua parte mais importante. No Takemussu Aiki este aspecto mais amplo é praticado e cultivado de forma a preservar as tradições completas destas caminho ,que tende a ser simplificado na abordagem destas escolas , algumas se denominando: "modernas" .

Informações sobre o Takemussu Aiki:

www.aikikai.org.br

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