Passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et sepultus; descendit ad inferos; tertia die resurrexit a mortuis; ascendit ad caelos, sedet addexteram Dei Patris omnipotentis; inde venturus est judicare vivos et mortuos
(Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto, e sepultado; desceu ao Inferno; ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; ascendeu ao Céu, e sentou à direita de Deus Pai Todo Poderoso; de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos).
1. (*) A devoção do “Rosário da Virgem Santíssima” consiste de quinze dezenas, cada uma delas formula e celebra um Mistério da fé cristã. Esses Mistérios são divididos em três classes, das quais a primeira é chamada Cinco Mistérios Gozosos; a segunda, Cinco Mistérios Dolorosos; e a terceira, Cinco Mistérios Gloriosos. (3) A Anunciação, Encarnação e o Nascimento de Cristo são temas dos Cinco Mistérios Gozosos. Esses foram tratados na última exposição. Os Cinco Mistérios Dolorosos e os Cinco Mistérios Gloriosos estão resumidos nas passagens que compõe a presente exposição. Eles sintetizam os três principais eventos na história espiritual do “Filho de Maria” – o Cristo, ou Homem Perfeito por meio da re-uni-ficação com Deus – a Paixão, o Sacrifício e a Vitória.
2. Essa história é a história da alma, tanto a alma universal como a individual. Pois, assim como a criação e a redenção do universo como um todo aconteceu por meio de uma “queda”, ou descenso da essência da alma à condição de matéria, e seu subseqüente retorno à condição de espírito puro – assim também ocorre com a criação e redenção do indivíduo.
Todo o processo foi representado pelos sábios da antiguidade na simbologia Hermética e Cabalística chamada de “Selo de Salomão”. Esse consiste de dois triângulos entrelaçados, um que se situa acima do outro e apontando para cima, e o outro um pouco abaixo desse último e apontando para baixo. Esses triângulos simbolizam, respectivamente, o mundo imanifestado e inicial da emanação, e o mundo manifestado e secundário, ou derivado, da criação.
Ambos os triângulos são atravessados verticalmente (do ponto mais alto até o mais baixo) e horizontalmente (de um lado ao outro), por duas linhas que, se entrecruzando, formam ao mesmo tempo a Árvore da Vida e do Conhecimento do Bem e do Mal, e a Cruz de Cristo.
3. Dessa Cruz, o feixe vertical, ou Árvore da Vida, tem seu ápice em Deus imanifestado, e sua base na Matéria, o mundo inferior ou Hades, o “Inferno” do Credo. A parte superior do hexágono formado pelos triângulos representa o mundo espiritual da Emanação; a seção inferior representa o mundo terreno da Evolução. Por essa razão a cabeça do Cristo crucificado está nas esferas celestiais, e Seus pés estão no Hades; Sua mão direita indica o ponto de descenso da alma para o mundo da Geração; Sua mão esquerda indica o ponto da emergência da alma à vida eterna.
O Cristo crucificado é, desse modo, a Hipóstase [a essência ou princípio subjacente] de Adonai, o Senhor, e Sua Cruz é o emblema do Febo espiritual [Apolo, deus da luz, deus sol] ou “signo do Filho do Homem nos Céus”, e a aliança do Divino com o humano.
Seu pé está no mundo da Materialização ou Existência, que é o da Provação. Pois a Provação é a antecedente e é condição da iniciação na consciência espiritual.
O Caminho da Vida e Caminho da Cruz [Via Crucis] são um só. A crucificação de Cristo é o ato da entrega suprema que deve anteceder a união do humano com o Divino; e, do mesmo modo, a morte e sepultamento significam a completa dissolução do velho Adão, ou eu inferior.
4. O Pôncio Pilatos do Credo, ou pontífice coroado, é a representação de um sacerdócio corrupto e materialista, fazendo concessões à multidão, aliado a Herodes, ou o “dragão”; colaborando com César – o típico talento do mundo – e alegando ser o único “elo de ligação” entre Deus e o homem.
Tal ordem jamais falha em mal interpretar, rejeitar, condenar e “crucificar” o Cristo e a concepção do Cristo. Quando os Evangelhos descrevem Pilatos como tendo juntado o sangue dos galileus às oferendas dos sacrifícios, e tendo recusado dar atenção aos protestos de sua esposa, ele se referia na verdade à fixação inveterada dos sacerdotes ao princípio da salvação vicária [por meio de outro] e das oferendas sanguinárias, bem como a sua rejeição aos ensinamentos da Intuição.
5. O golpe mais severo desferido contra a Igreja de “Pôncio Pilatos” foi a promulgação das descobertas astronômicas de Copérnico e Galileu.
As antigas mitologias retratavam a trajetória do Homem-Deus como correspondendo ao curso do sol no céu visível; e ensinavam que os movimentos e o percurso do sol físico em relação à Terra são idênticos àqueles do Salvador Espiritual em relação à humanidade.
A revelação da verdadeira situação em relação ao caso do sol – ou seja, que embora pareça passar por todas as mudanças que são observadas no sol, ele permanece fixo e imutável no centro do sistema – se o mundo tivesse sido suficientemente perspicaz para reconhecer a analogia espiritual ele teria descoberto a verdade de que a Divindade permanece intocada pelo tempo ou pelos seus veículos de manifestação, e que a ilusão do universo físico não constitui qualquer interrupção ou mudança na própria consciência Divina, mas que os acontecimentos do tempo e do espaço pertencem ao mundano, e ocorrem apenas na consciência humana secundária.
O sol não trilha um caminho nos céus como nos parece, o qual é uma ilusão que surge de nossas próprias mudanças de lugar e condição. E assim, o nascimento, a paixão e outros atos do Filho de Deus nesse mundo da criação são processos que se dão em razão das condições desse mundo, bem como das operações do tempo, o que faz com que nós percebamos as Idéias como Estados, em seqüência cronológica e com extensão espacial.
O Filho de Deus no Céu é imutável em relação a nós. Ele nem descende nem ascende, tampouco é sepultado ou ressuscita, nem sofre nem triunfa. Todas essas mudanças resultam da sucessão da percepção na consciência planetária. (1) O estado do Cristo é a transcrição na esfera das extensões, daquilo que, como Princípio, sempre é, e de forma absoluta.
Se o mundo tivesse sido capaz de captar essa verdade – as possibilidades e as implicações metafísicas da descoberta da natureza do sistema solar – ele teria compreendido a distinção esotérica entre Cristo e Adonai. Isto é, entre o “Filho de Maria” e a Sabedoria Filha Única de Deus. E teria evitado o erro fatal de tomar qualquer personalidade humana, por mais perfeita que seja como um representante do processo, com o próprio princípio Divino.
A verdade natural teria capacitado os homens a distinguir entre o sol como ele é em si mesmo e em sua própria esfera, e o sol como ele nos parece ser em nossa esfera. A idéia do primeiro é a do Noumenon, Adonai; a idéia do segundo é aquela de seu aspecto e contraparte humana, o Cristo. Eles não são dois sóis, mas um único sol. E, no entanto, apesar de imutável, ele nos parece como mutável; embora imortal, ele nos parece morrer.
Todo o enigma é resolvido pela correta compreensão do fato de que a imagem da luz eterna e imutável – o centro da radiação – quando projetada em nossa esfera mutável e seqüencial, é interceptada, por assim dizer, por um meio condicionado, e torna-se sujeita a condições. E isso ocasiona que o próprio centro da radiação pareça mutável e seqüencial, de modo que, sem deixar os céus, ou passar pela menor mudança ou interrupção de sua imutabilidade, Adonai aparece na terra como Cristo, realizando o drama da Redenção.
6. Cristo completa o processo evolutivo da criação planetária, do mesmo modo que Adonai completa o percurso lógico da emanação Celestial. A potencialidade Divina implícita no En-soph culmina e polariza-se em Adonai. O espírito e a alma elaboram e manifestam sua conjunção em Cristo, que desse modo representa a transmutação do princípio em estado: – os raios do Noumenon entrando, estendendo e expressando sua imagem através das lentes do tempo.
7. Não apenas a morte, o enterro e a descida do Cristo até o Hades [inferno], renovam em um plano interior e pessoal a imersão da alma na existência; mas tambémrepetem, em um sentido mais elevado e mais sutil, o drama dos quarenta dias de jejum e retiro no deserto. Pois esse período de quarenta dias simboliza as provações da iniciação tal como praticadas nos mistérios gregos (1); e a morte, o sepultamento e os três dias passados no Hades simbolizam a heróica e salvadora oblação [sacrifício] do Deus-Homem.
8. A Regeneração nos mistérios hebreus é simbolizada pela fuga do Egito – o corpo, e, portanto, terra de aprisionamento para a alma – através do Mar Vermelho para o Deserto do Pecado, o cenário da provação no qual os quarenta dias místicos estão expressos em um período semelhante de anos.
A Redenção é representada pela travessia do Jordão, que separa esse deserto da provação da terra prometida da perfeição e repouso espiritual. Esse Jordão, ou rio do julgamento, não poderia ser atravessado por Moisés, pois ele tinha falhado na provação de sua iniciação.
A libertação final de Israel estava reservada a Joshua, um nome idêntico a Jesus, que se manteve fiel em todos os momentos. O Jordão corresponde ao rio Aqueronte dos mistérios do Olimpo, o qual todas as almas, ao descer ao mundo inferior, eram obrigadas a atravessar. E o Limbo, o Paraíso, o Avernus, os Campos Elísios, o Tártaro, o Purgatório e o repouso, todos denotam, sob diversos nomes, não localidades, porém esferas ou condições de existência, igualmente reconhecidos nos sistemas hebreu, pagão e cristão, e existindo no próprio homem.
E a passagem de Cristo através do mundo inferior [o “inferno” do Credo] representa ocultamente a obra da Redenção dentro do reino humano, de forma exatamente análoga à doutrina hermética da transmutação, ou seja, a Redenção do Espírito da matéria, alegoricamente designada como a conversão de metais inferiores em ouro.
9. Não é apenas a alma do Cristo que se ergue do Hades da materialidade e ascende ao Céu. É também seu glorificado corpo, Sua mente racional, Seus afetos regenerados.
O corpo ressuscitado de Cristo Jesus é aquela natureza humana reconciliada e iluminada, que é representada pela mais externa das três porções de farinha fermentadas pela graça Divina; e pela terceira cabeça do cão do Hades – Cérbero – atraída para cima em direção à luz pelo herói solar Héracles.
A mente e as afeições ressucitadas de “nosso Senhor” consistem naquelas ciências, amores e memórias puras que foram fortes e duráveis o bastante para, desde a terra, chegar ao Céu, e tornar-se parte do homem interior.
As afeições e conhecimentos meramente terrenos da anima bruta, ou eu externo, perecem. Suas paixões e memórias inferiores se desintegram, e junto com seus veículos que se desintegram elas revertem ao cadinho que tudo dissolve de “Hecate”, ou Caos. Mas todos os amores verdadeiros pertencem ao celestial, dentro do Ego ressucitado e que ascendeu.
10. Cristo Jesus ressucitando e ascendendo ao Seu Pai; Cristo Jesus vertendo Sua virtude e graça salvadora sobre todos os mundos; Cristo Jesus, assumindo no Céu sua Mãe Divina e coroando-a ao Seu lado em Seu trono acima dos anjos – esses são os “Cinco Mistérios Gloriosos do Rosário da Santíssima Virgem”, ou alma purificada do homem, que completa sua sequência de esperanças, pesares e triunfos. Pois agora a união do Divino e do humano tornou-se absoluta. O “Filho do Homem permanece à direita de Deus”, de onde, perpetuamente, “Ele vem julgar os vivos e os mortos”, e distinguir entre os justos e os injustos.
11. Nesse perfeito ideal realizado de humanidade reside o supremo padrão humano do certo e do errado, da vitalidade espiritual e da insensibilidade para a virtude e para a graça. O Logos Divino dentro da alma humana é a voz de Deus penetrando o “jardim” do microcosmo humano, e chamando a mente e os afetos para o julgamento.
12. E não apenas no lugar secreto da consciência de cada homem, mas em seu entendimento e aspiração coletivos, por todas as eras, através de todos os mundos de provação, sua Divina voz é ouvida – que é ao mesmo tempo o ardor por progresso espiritual, o imutável censor da ação humana, e a promessa da salvação. E esse “dia do julgamento” não cessará até que os mundos da forma voltem novamente ao seio do espírito, até que os estados se revertam em princípios, os fenômenos ao Noumena, e o amanhecer do eterno Sabbath dissolva em esplendor a noite da matéria e do tempo.
NOTAS
(98:*) N.T.: Essa numeração indica os parágrafos no original, em inglês.
(98:2) Resenha de Edward Maitland da palestra dada por Anna Kingsford, em 10 de julho de 1884, para a Sociedade Hermética, e publicada em Light, em 19 de julho de 1884, pp. 294-295. – Samuel Hopgood Hart.
(98:3) Os Quinze Mistérios da Vida da Santíssima Virgem Maria são os seguintes: –
(a) Os Cinco Mistérios Gozosos:
1. A Anunciação ou Saudação do Anjo.
2. A Visitação.
3. O Nascimento de Nosso Salvador Jesus Cristo em Belém.
4. A Apresentação do Abençoado Senhor no Templo.
5. O Encontro do Menino Jesus no Templo.
(b) Os Cinco Mistérios Dolorosos:
1. A Prece e Suor de Sangue de Nosso Abençoado Salvador no Jardim das Oliveiras.
2. A Flagelação de Nosso Abençoado Senhor no Pilar.
3. A Coroação de Espinhos de Nosso Abençoado Salvador.
4. Jesus Carregando a Cruz.
5. A Crucificação e Morte de Nosso Senhor.
(c) Os Cinco Mistérios Gloriosos:
1. A Ressurreição de Jesus Cristo.
2. A Ascensão Jesus Cristo aos Céus.
3. A Descida do Espírito Santo na Virgem Santíssima e nos Apóstolos.
4. A Assunção da Santíssima Virgem Maria aos Céus.
5. A Coroação da Santíssima Virgem Maria no Céu e a Glória de todos os Santos. – Samuel Hopgood Hart.
(101:1) A palavra “Planeta” significa “Caminhante”. “Todos os mundos da Criação”, diz Anna Kingsford, “são cenários de Peregrinação ou de Jornada. (...) Um Planeta é, portanto, em terminologia oculta, nada mais nada menos do que uma Estação. A Alma passa de um para o outro ao longo de toda a cadeia de sete Mundos (ou Estações), em seqüência”. (Life of A.K. (Vida de Anna Kingsford), Vol. II, p. 182, e veja a ilustração na p. 104, mais adiante.). – S.H.H.
(102:1) O relato diz que “Numerosos exemplos foram dados como prova da identidade existente entre os modos de pensar hebraico e grego com relação ao lado oculto da existência. Isso demonstra sua origem comum em uma gnose universal, e corrige, portanto, o erro cometido até então por eruditos em relação aos sistemas grego e judaico como sendo diferentes e incompatíveis, um em relação ao outro. E o Novo Testamento foi apresentado aplicando ao indivíduo, processos espirituais representados no Velho Testamento como ocorrendo para Israel como um todo.” S.H.H.
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